DE ROSAS HIBERNAIS
Tatiana Alves
 

Acabara de ligar o rádio. Freqüentemente, ligava-o quase de modo automático, sem prestar muita atenção nas músicas. Entretanto, naquele dia ouvira algo que de fato a impressionara. Não propriamente a música, mas uma das imagens que nela surgira. Algo como uma canção que tocara na hora errada, impedindo que fosse apreciada por alguém. Mas, apesar da impossibilidade, nem tudo se perdera, pois com ela veio a imagem "das rosas que dão no inverno", como bradava a cantora. Ela, por algum motivo inescrutável, caíra no choro, talvez por se saber assim, meio atemporal, meio anacrônica... Não lhe fora concedido o benefício da dúvida, e tivera de bater em retirada antes mesmo de a luta ter tido início. A balança pendera sensivelmente para o outro lado, motivada muito mais pela desigualdade das condições de combate do que pela supremacia do adversário. Seria, talvez no futuro, aquele se que amarga a consciência dos covardes...Aquela circunstância reduzida à condição de hipótese...Um se jamais transformado em sim...Aquelas oportunidades deixadas para trás por medo , que fazem com que se chorem na cama os epitáfios escritos em vida...Enigmas jamais decifrados, que devoram a consciência dos que hibernam eternamente. Daqueles que se recusam a admitir que o rei está nu e desfilam, ridículos, contando a si mesmos a grande mentira que ninguém mais engole... Daqueles que ingerem um remédio que lhes alivie os sintomas, sem no entanto combater a doença que lhes toma o corpo e a alma...

Talvez as rosas do inverno necessitem de maiores cuidados, sob o risco de fenecerem no gelo... Mas trazem consigo o prenúncio da primavera, num tempo em que tudo é aridez. Alguma canções - talvez as mais belas de nossas vidas - tocam na hora errada. Cabe a nós o desafio da escolha entre, simplesmente, desligar o rádio, ou permitir que elas nos invadam por completo, impregnando o mundo com sua melodia.

 
 

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