VLAD E OS THE VAMPIRES
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Patrícia da Fonseca
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Estávamos todos reunidos no churrasco dominical da família. Meus irmãos mais velhos, minha mãe, minhas cunhadas e sobrinhos. Éramos em torno de uns 25. Ah, esqueci dos meus filhos. Estes também estavam lá. Com exceção da Érica. Ela havia ido dormir na casa do novo namorado, que eu nem conhecia. Para disfarçar, menti - inclusive para o pai dela -que Érica estava na casa de uma amiga. Queria evitar o falatório. Minha filha sempre foi conhecida na família como sendo uma guria muito desinibida. Eu estava comodamente sentada junto à mesa quando ela finalmente chegou. Infelizmente, ela não veio sozinha. Veio com ele. O ser mais esquisito que eu já vira na minha vida. Nem olhei para o Oscar, mas acho que ele teve a mesma vontade que eu de se enfiar embaixo da mesa. Minha mãe suspirou ao meu lado. Como avó, ela deveria estar chocada. Érica foi se aproximando de nós, vinte e cinco pares de olhos vidrados nas figuras daqueles dois. Ela, sorridente. Ele, com um olhar desconfiado. O namorado da minha filha tinha o cabelo mais comprido que a própria. Trajava roupas pretas e coturnos pretos. Sem falar no piercing na sobrancelha e outro no queixo. Quase fiz o sinal da cruz. O que a minha filhinha estava fazendo com aquele marginal? Quase surtei quando lembrei que eles haviam passado a noite juntos. Que surpresa mais eu teria naquele domingo? - Ooooiiii! - cumprimentou Érica, muito alegre - Quero apresentar o Vlad. O Vlad mal nos olhou. Oscar, então, num surpreendente autocontrole, levantou-se e foi cumprimentar o genro. Eu fiquei com a bunda colada na cadeira, suando frio. Meu irmão, do outro lado da mesa, fuzilou-me com os olhos. Decerto achou que a culpa era minha. Educado, Vlad apertou a mão de Oscar e então, Érica o apresentou aos seus irmãos, primos e parentes, um a um, até chegar em mim. Sem aquelas roupas escuras, os piercings e o olhar de mau, Vlad até que seria um rapaz simpático. Quase sugeri que um dos meus guris emprestasse uma roupa para meu novo genro. Desisti da idéia ao olhar para a expressão de cada um. Érica, feliz, puxou duas cadeiras próximas a mim e sentou com Vlad. Então, sabendo ter a atenção de todos, ela resolveu anunciar: - Gente, eu e o Vlad vamos nos casar. Acabamos de ficar noivos - e mostrou a mão direita, onde reluzia uma linda aliança - Olhem! Não é o máximo?! A carne me desceu atravessada. Realmente, não esperava, naquela altura da minha vida, uma surpresa daquelas. E eu que sonhava com um casamento na igreja para minha filhinha... Agora vejo como sou retrógrada. Ante aquele anúncio pavoroso, fez-se um "oh". Oscar bebeu um copo inteiro de cerveja antes de se pronunciar: - Noivos? Como assim? Nesta idade ninguém fica noivo, Érica. - Ora, pai - disse ela - Já tenho 16 anos. Meu filho do meio perguntou: - Você está grávida? Oscar ficou vermelho. Érica balançou a cabeça, fazendo que não. Eu já estava bebendo cerveja direto do gargalo. - E vocês vão morar onde? - perguntou Oscar, o autocontrole se esvaindo. - Lá em cima, no meu quarto. É tudo tão simples. Vlad até então não havia aberto a boca. Nem eu. Larguei a garrafa em cima da mesa e perguntei, tentando fingir que aquela situação era normal na vida de qualquer família: - E você, Vlad? O que faz da vida? - Sou vocalista de uma banda de rock - respondeu ele, com uma voz incrivelmente límpida. A ala jovem da família se alvoroçou. Um astro de rock na família! Tenho certeza de que ouvi soarem palmas. Alguém perguntou: - Qual o nome da sua banda? - The Vampires - respondeu Vlad. Nada mais apropriado, pensei eu. Cheguei a colocar a mão no meu crucifixo de ouro que trazia pendurado no pescoço, para afastá-lo dali. Desisti. Ainda não era o momento. Minha mãe, até então calada e eu acreditava que fosse por choque, resolveu se manifestar: - E qual é maior sucesso da banda, meu filho? - "Surpresas da vida", vó - respondeu Vlad, pacientemente - Eu posso cantar um trecho para a senhora. Já está tocando nas rádios. - Ah, mas esta eu sei de cor - retrucou minha mãe, para meu espanto e delírio da galera. Um violão surgiu como mágica e pousou no colo do Vlad. Ele dedilhou alguns acordes e se pôs a cantar - acompanhado da avó de Érica - o hit "Surpresas da Vida". Confesso que até gostei e acompanhei o ritmo batucando na mesa. Só parei quando meu marido Oscar me olhou mal encarado. Por fim, com exceção de Oscar, todos nós cantamos juntos com Vlad, com direito a bis. Guardei o crucifixo dentro da blusa e abandonei a idéia de espalhar alho pela casa. Havia alguma possibilidade de Vlad e os The Vampires alcançarem o sucesso. Imaginei minha casa cercada de fãs histéricas, calcinhas e soutiens sendo jogados no meu gramado, os repórteres e paparazzos ansiosos em conseguir uma entrevista com a sogra do grande cantor de rock, Vlad. Minha casa então já seria uma fortaleza, cercada de seguranças. E eu poderia passar alguns dias na Ilha de Caras, por conta do sucesso do meu genro. É, eu já estava começando a curtir a surpresa que Érica havia preparado para mim. |