SANTA TEREZINHA
Luís Valise
 
 

- Paiê, dá o nó na minha gravata!

Rodolpho sentiu um tremor nas mãos enquanto obedecia ao pedido. Dentro de algumas horas o Júnior estaria se casando, um ciclo de sua vida se completaria, e não havia nada que pudesse fazer quanto a isso, a não ser caprichar no nó. O menino estava com vinte e quatro anos, e esse pedaço de tempo despencou sobre sua cabeça de uma vez. Viu a si próprio no espelho, e fechou os olhos rapidamente, para não estragar a data especial.

- Vem, Dolpho, estamos à sua espera!

Ruth pegou-o pela mão, e foram caminhando para o carro parado junto à calçada. Ruth, Ruth, será que também ela via o que o tempo fizera com ele? Orgulhosa no tailleur novo, grafite, sóbrio como convinha à mãe do noivo, por baixo uma blusa de seda creme, um colarzinho de pérolas, sentou-se ao seu lado, e ficou quieta enquanto ele dirigia, também calado, até a igreja. Alguns convidados já haviam chegado, e os três atravessaram a nave silenciosa em direção do altar. Um auxiliar do padre indicou o lugar onde ficariam à espera da noiva. Não demorou, e os pais de Dorinha também chegaram. Rápidos cumprimentos, e ficaram do lado oposto. Ruth apertou discretamente a mão de Rodolpho, indicando com o olhar o vestido da mãe da noiva, roxo post-mortem. Logo a igreja foi ficando cheia de convidados, e Ruth, entredentes, e sem abandonar o sorriso, ia metralhando a massa: "Olha o vestido da Claudete, meu deus, onde ela pensa que vai com esses paetês?"... "Você viu como a Lúcia engordou? Dizem que é bebida."... "Olha a Elvira, com a Carol e o netinho. A Carol perdoou o marido, que foi pego com um travesti nu dentro do carro. Pode?? Você sabia que o marido da Elvira foi embora com uma manicure? Coitada, não sei como tem cara pra sair na rua." E Ruth seguiria distribuindo bênçãos, não fosse o órgão atacar os acordes iniciais de "Jesus, Alegria dos Homens". Todos se levantaram. Dorinha surgiu na entrada iluminada pelo sol da tarde. Fez questão de entrar sozinha, numa demonstração de independência. Veio caminhando em passos miúdos, porém firmes. Ruth não tinha certeza que essa fosse a mulher ideal para o Júnior. Passou os dois anos de namoro roçando coxas e seios no menino todo o tempo. Ruth fingia que não via, mas via muito bem a agarração a todo instante, a excitação constante, seu filho subjugado pelo cio da fêmea esperta. Fêmea não, uma cadela, isso sim! E quando o Júnior desceu os três degraus para receber a moça, Ruth não conseguiu conter uma lágrima, que escorreu pela maquiagem e estampou uma medalha sobre o creme de seda, a medalha da mater dolorosa que entregava a cria em sacrifício. Buscou de relance a dama de roxo, para ver se também ela chorava, mas qual o quê!, a outra tinha um grande sorriso estampado no rosto, como um estandarte da alegria por desencalhar a gata lúbrica. O órgão mudou para "Se todos fossem iguais a você", e o olhar de Ruth voltou a ficar doce ao pousar no Júnior, que, ajoelhado, respondia "sim" a tudo o que o padre dizia. Apertou de novo a mão de Rodolpho, e olhou para ele como a perguntar "E agora?". Rodolpho apertou sua mão de volta, e tranqüilizou-a com um sorriso cheio de segurança. Os noivos ficaram em pé. O órgão agora mandava a "Aleluia" de Haendel. Tiveram início os cumprimentos. Aperto de mão, "Obrigado!", tapinha nas costas, "Obrigado!", abraço apertado, "Obrigado!", Rodolpho sentia um orgulho meio besta, até que na sua frente ela apareceu como um clarão: Terezinha! Como, depois de tantos anos? Por quê, naquele dia? Rodolpho sentiu que perdia a cor. Estendeu a mão. Terezinha sorria: "Parabéns, Ro! Teu filho é lindo! Felicidades pra ele!" Rodolpho balbuciava "Obrigado, obrigado", Terezinha apresentou: "Este é o Marcão." Marcão era um cara grande e forte, que apertou a mão de Rodolpho até este dobrar os joelhos. "Prazer, Marcão." Porra, se aquilo era um aperto de prazer, se fosse pra machucar então... A fila continuou, mas Rodolpho não viu mais ninguém.


Depois da cerimônia, foram comemorar num bifê. Ruth se preocupou com o marido: "Você tá bem, Dolpho? Tá meio quieto, meio pálido..." "Tudo bem, Ruth, é a emoção." E era mesmo emoção, mas emoção por ver Terezinha, antiga namorada, primeira (e talvez única) paixão. Nunca mais a vira, e nem imaginara que se sentiria assim ao vê-la outra vez. De repente, todos deram-se as mãos numa grande roda, e os noivos começaram a dançar a valsa. Terezinha segurava a mão esquerda de Rodolpho, que sentiu uma tontura, suas vistas escureceram, mas ele aguentou, e ficou de mãos dadas com Terezinha até a música acabar. Depois dos aplausos, formaram-se casais e começou o baile. Rodolpho dançou com Ruth, que estava lânguida, enquanto ele estava ausente.

A festa estava animada. Rodolpho tomava uns uísques pra ver se aquela angústia passava, mas Terezinha não saía dos seus olhos, ou do seu pensamento. Criou coragem, tirou-a pra dançar, deixando o tal de Marcão segurando seu copo. Abraçou-a, e sentiu seus seios pequenos ainda firmes. Olhou-a nos olhos brilhantes, nos lábios vermelhos, perguntou:

- Você sabia?

- Não, pra mim também foi uma surpresa.

- Você continua linda...

- Mas você é casado...

- E você, não é?

- Não.

- E o Marcão?

- Amigo.

- O quê você faz?

- Sou manicure.

- ...

- Estou aqui só pra sacanear a Elvira, a vaca não quer assinar o desquite pro ex-marido casar comigo.

- ...

A música acabou. Rodolpho deixou Terezinha e foi pegar outro uísque, mais triste ainda que ao vê-la pela primeira vez. Ruth veio pedir pra dançar com ele de novo. Ela estava mesmo lânguida. A festa foi chegando ao fim. Rodolpho tinha bebido demais. Os noivos já estavam viajando. Os últimos a deixarem o salão foram os pais dos noivos, Ruth de braço dado com o vestido roxo. O pai da Dorinha estava aliviado: "Meu velho, missão cumprida! Agora é com o Júnior."

Ruth aproveitou o tailleur novo e a blusa de seda pra fazer strip-tease, como em sua lua-de-mel. Rodolpho balbuciou "Eu tô morto". Ruth se esfregou nele, que repetiu "Eu tô morto". Ela deu risada, foi pro banheiro, escovou os dentes, lavou o rosto, voltou pro quarto, Rodolpho estava deitado de terno e tudo. Ruth pulou na cama:

- Levanta, Dolpho! Levanta, campeão!

Mas ele estava morto.

 
 

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