MUNDO CÃO
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Rosi Luna
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Ouço
seu latido Zeca Baleiro |
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Existia um vão, um espaço a ser preenchido por uma pessoa, um sentimento, um animal. O simples vácuo da existência. Uma respiração com turbulência, essa poluição, essa malemolência. A rua era cheia de caminhos, as placas eram confusas medusas. Seguia na contra-mão. Estava tudo solto, os parafusos corriam afoitos. Batia na porta do nada, quase tropecei na escada. Um tempo cíclico, de movimentos repetitivos, o mesmo bom-dia para aquela manhã tão fria. Sempre tudo igual, pijamão com pão com requeijão. Até aparecer aquele cão. Nunca soube o nome dele não. Acho que era cão. Andava excessivamente distraído, sem dormir, sonhando com um redondo comprimido. As noites eram meus açoites, batia com força nos meus desejos mais íntimos. Andei procurando uns lampejos, saí por aí dando uns bordejos. Uma réstia de luz e vejo um vulto mijando no poste. Abro a braguilha, solto um largo jato da escotilha. Que zonzeira, bebedeira e tudo porque mesmo? O que estou tendo hoje, não consigo me lembrar. Falta o que na minha vida? Uma companhia, uma ventania , uma melancolia ou será uma vida vadia. Acho que pisei em alguma coisa, não consigo distinguir. Penso que esqueci o óculos no bar, minha visão está turva. Não queria ser preso por omissão de socorro. Seja lá o que for, tenho que salvar. Ouço uns gemidos, nem parece gente, parece lobisomem. Onde estou? Tanzânia, Transamazônica ou será que esbarrei em um transsexual. Senti uns pêlos na minha perna. Me lembro até o ponto em que ele fazia xixi e caiu, mas tem uma lata de lixo tombada. Ah, não vai dar. Tenho nojo de lixo, de pêlos, de camelos, de tudo que se move perto de mim uma hora dessas. Não posso abrir mão da minha assepsia, nem da minha covardia. Quero ficar só com a madrugada e perdido na estrada. Esse vulto no poste, nem parece alto. Será que derrubei um anão. Engraçado, parece que vejo uma sombra com três pernas. Decididamente perdi a dimensão - do homem e da razão. Entre a bebida e o delíriro, só mesmo um colírio - meus olhos estão vermelhos. Doem meus joelhos. Sinto culpa de não me mover. Não precisa ficar me lembrando, eu sei que "por minha culpa, minha máxima culpa" derrubei o vulto de três pernas fazendo xixi no poste. Meu Deus, que blasfêmia, em oração não pode falar de necessidade fisiológica. Onde está Noêmia e aquela noite boêmia. Sinto uma necessidade psicológica de me abrir com esse poste, com um santo, com o atropelado. Preciso falar com alguém. A noite tá escura, ninguém me segura. Estou caindo, sinto uma sensação fluindo. Não deu tempo de chegar no poste. Que decadência, o cheiro de mijo na cueca, tudo molhado aqui. Sentado na sarjeta, estou vendo e não paro de rir, tem um cachorro perneta fazendo xixi no poste, ele caiu na guia da calçada. Não sei se dou risada do tombo dele ou do meu. Ele está vindo, somos tão parecidos. Ele é um simples cão, sem nome, sem dono. É um largado como eu. Olhos tristes, ferida aberta, vida incerta. Estou manco, só mesmo levando um solavanco, nem me aguento em pé. Ele tem três pernas, um perneta, anda com dificuldade e quem disse que a vida é facilidade. Eu sou planeta, minha cabeça está girando, quero achar um girassol que faça nascer o sol. Quero o pão quente da padaria, quero essa coisinha morna do dia-a-dia. Ele animal irracional. Eu não quero pensar - tirem meu cérebro. Eita mundo cão, alguém aí me dê a mão. |
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