FERIDA ABERTA
Paulo Henrique Pampolin
 
 

Sempre que respondo a alguém que moro sozinho, ouço afirmações do tipo "ah... meu sonho, morar só!", ou "deve ser uma maravilha, ter seu cantinho, ninguém para encher o saco...". Não os culpo de pensar assim. Realmente parece ser uma maravilha. Dá impressão de independência, ali é seu canto, ninguém poderá dizer o que fazer, nem que a toalha molhada não pode ficar no sofá.
Quando se tem entre 18 e 26 anos, esse parece ser o sonho de oito entre dez jovens. Quase todos reclamam que os pais pegam no pé, que os tratam como adolescentes, que o irmão mexe em suas coisas sem autorização, etc. Os motivos são os mais variados.

Mas, o tempo passa, as pessoas amadurecem e você começa a ver que morar só pode não ser um grande programa.

Às vésperas de completar 35 anos, já com a crise dos 30 praticamente superada, surge no horizonte uma outra crise com a qual ainda não sei o que fazer.

Os tempos de faculdade passaram, as festas diminuíram, amigos se casaram, outros estão prestes a fazer isso, você começa a perceber que num sábado a noite, está só, em frente a televisão.

A cabeça começa a girar para todos os lados e filme mesmo, só o que passa em sua cabeça. É uma mistura de tudo, cenas de infância, arrependimentos, amores interessantes que se foram, muitas, mas muitas imagens dos pais na cabeça, irmãos, brigas que pareciam imperdoáveis começam a serem vistas com saudades, tempos de escola, as festas da turma da faculdade, bebedeiras, sexo, música, viagens e aventuras.

Pronto, está instalada definitivamente a nostalgia. Com muito custo, após secar a garrafa de vinho, talvez duas, não dá mais para se lembrar, você se levanta, escora na parede, cambaleante chega ao banheiro. No espelho, percebe os olhos úmidos e então, não dá mais para segurar a lágrima que insistia em despencar e molhar a face. Vai escorregando, apoiando a costa na parede até sentar-se no chão frio. Ali se chora como quando criança. Um nó entalado na garganta, uma mistura de arrependimento e vontade de voltar ao passado. Talvez não para reviver as coisas, mas para corrigir alguns erros como o de querer morar só.

Olhei para trás e vi que dos 34 anos, apenas 18 vivi ao lado de meus pais. É pouco, muito pouco. Queria que fosse diferente. Queria tê-los por perto o resto da minha vida. Chegou o momento que ninguém, absolutamente ninguém suprirá a falta que eles fazem.

Mas, na juventude é impossível enxergar isso. As festas são mais importantes, as bebedeiras, as namoradas, a sensação deliciosa de independência.

É uma situação irreversível, não há o que fazer, em especial quando se está há 650 km de distância física. Um caminho sem volta.

Quando os tinha por perto, era feliz e sabia disso. Tínhamos um relacionamento excelente, de respeito, de carinho, de amor, de atenção, as maiores heranças que me deixaram. Mas um dia a refrescante juventude nos faz querer viver outras emoções, como morar só, ter sua própria vida, conquistar uma vida profissional e isso nos leva a buscar esse prazer hedonista. Caminho sem volta.

O tempo passa e com ele vem a percepção de que há uma ferida aberta, que por mais que tente alguns curativos, meu coração já sabe que será impossível de cicatrizar.

 
 

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