LÁGRIMAS DE JACARÉ
OU CROCODILO |
Leo Agapejev de Andrade
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Joãozinho, senta aqui e olha pra mim: isto é um jacaré. Está ouvindo? Um jacaré. Ou um crocodilo, não sei bem, não sou biólogo. Em todo caso, mesmo se ele chorar, não tenha piedade: atira logo na cabeça dele. Tá ouvindo, João? Foram vários anos de desperdício de tempo. Ou de liberdade, talvez. Não sei. A questão aqui é o desperdício. Chorando as pitangas não-amadurecidas, -- tampouco nascidas, no início. Enfim, não havia pitangas a serem choradas. Mas mesmo assim eu as tinha em falta, essas pitangas imaginárias. Você tá me ouvindo, Joãozinho? Imaginárias. Eu as tinha em falta. Precisava chorá-las. Mas não havia solo para serem plantadas essas pitangas, embora o adubo - cocô de cachorro - fosse farto lá em casa, principalmente antes de você ter nascido. Mesmo no apartamento onde moro o adubo proliferava naquela época. Mas neste caso era adubo humano, Joãozinho: meias-verdades, omissões, caras feias, falta de consideração e repentes explosivos que dariam boas histórias sobre a imperfeição humana, a solidão e temas afins ou conflitantes (o que não deixa de ser uma forma de afinidade), se eu soubesse comer as pitangas que inevitavelmente nasceriam em meio a isso tudo. Isso mesmo, Joãozinho, elas inevitavelmente nasceriam, e eu mal sabia disso. Pois nasceram como fungos no cocô... A partir daí, houve noites vividas sob o entorpecimento dos sentidos, nas formas que eu tinha ao alcance. Depois, quando acabava, ia à cozinha e devorava pitangas azedas como limão verde. Eram as únicas que haviam conseguido brotar, essas pitangas mal-nascidas. Enfim, não havia mais o que fazer: precisava devorá-las. Ruim mesmo, né? Comia-as o quanto podia e deveria. Depois voltava para o quarto e dormia. Isso sim eu vivi. De todo o resto, eu não sei. Mas eram pitangas indigestas. As coisas apenas se passaram, vazias. Por isso, Joãozinho, não mexe no cocô não. Dá verme. Te deixa dodói. E atira no jacaré, se ele começar a chorar as pitangas. Ou crocodilo. Seja o que for, é bom que ele não faça isso. Tá ouvindo, Joãozinho? Atira logo! Vai, Joãozinho! Pelo menos você tem que fazer as coisas certas! O que está esperando? Mas eu não te expliquei tudo?! |