A DESCOBERTA DO SEU CABRAL
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José Luís Nóbrega
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Seu Cabral era mesmo um homem possuidor do dom de descobrir. Carteiro há mais de trinta anos, era capaz de encontrar destinatários onde nem mesmo os remetentes ousavam imaginar que houvesse vida. Sorridente, percorria as ruas da cidade assoviando, feliz por poder trabalhar na profissão que realmente o realizava. Num belo dia, ou melhor, numa bela manhã, Seu Cabral adentra o hospital para entregar uma simples correspondência a um tal de Dr. Cornélio. Já conhecia todos os médicos e enfermeiras dali, mas esse tal... Dr. Cornélio, nem de nome. Na recepção, após tomar um cafezinho e trocar algumas confidências com dona Clementina, percorreu imensos corredores, repletos de pessoas gemendo em macas, e entidades sisudas vestidas de branco que por ali circulavam. Perguntou a um, a outro, mas ninguém conhecia o tal Dr. Cornélio. Já estava, pela primeira vez em mais de trinta anos, quase desistindo de procurar. Com certeza, o remetente havia se enganado, como muitos outros. Mas, eis que no final de um corredor, surge a luz no fim do túnel. Seu Cabral chega ao último guichê e faz a pergunta pela enésima vez: - Por favor, o Dr. Cornélio... Antes que ele terminasse a frase, a enfermeira, daquelas bem mal-humoradas, sem olhar para a cara do pobre carteiro, foi logo respondendo: - Doutor Cornélio? Aguarde na sala ao lado. Seu Cabral achou estranho, mas como uma outra pessoa já o empurrava, tentando falar com a enfermeira, achou melhor não complicar as coisas. Entrou na salinha que só continha uma maca. Cinco minutos, dez minutos, quinze minutos e nada! Ninguém aparecia. Como estava cansado de procurar pelo Dr. Cornélio, não resistiu à tentação. Deitou-se com todo cuidado para não fazer barulho. A maca soltou uns rangidos, e em minutos, Seu Cabral dormia como um anjo... Acordou assustado. Levantou a cabeça com muito esforço, já que seu crânio parecia estar sofrendo um ataque terrorista. Levantou o lençol que o cobria. Estava apenas com uma camisolinha, bem curtinha, amarrada nas costas. Não entendia nada do que estava acontecendo. Quando voltou a se deitar, viu que um frasco enorme de soro pendia na cabeceira da cama. Notou uma agulha e esparadrapos atados em seu braço direito. A fraqueza era grande. Seus olhos insistiam em permanecer fechados... - Sua cirurgia correu muito bem, Seu... Seu... como é mesmo o seu nome? - Disse uma voz que parecia ecoar do além. - Meu nome é Seu Cabral. - Retorquiu o carteiro com os olhos fechados. - Seu Cabral, meu nome é Dr. Cornélio, e amanhã, o senhor já estará em casa. Seu baço foi retirado com sucesso pela minha equipe. O senhor pode ficar tranqüilo que... - Mas doutor, eu só vim aqui para entregar ao senhor uma carta. Ela deve estar em minha mochila. Eu não tenho e nunca tive problema no baço... - Fique tranqüilo! - O médico dá uma pigarreada, olha à sua volta para certificar que não havia ninguém por perto, e continua: - O senhor jamais terá aquela dorzinha chata do lado depois de correr com a boca aberta, ou até mesmo, depois de uma simples caminhada. O senhor caminha muito, não é mesmo Seu... Seu... O médico não completa a frase, e vai saindo, enquanto o paciente, ainda sob o efeito da anestesia, pega novamente no sono, depois de descobrir que havia ficado sem o baço. No corredor do hospital, refeito do susto, doutor Cornélio reclama com a equipe médica: operar pelo SUS e receber apenas vinte e cinco reais por uma operação... era com certeza, o aviltamento total da classe médica... |