ROSANA
|
Francine Ramos
|
Ela tocou delicadamente nos talhares, um a um, seguido de um pequeno gesto para segurar os pratos sujos com o que restou do jantar. Era sempre assim: logo depois do jantar um silêncio invadia aquela cozinha fria onde apenas o som dos talheres se ouvia. E bem ao fundo, uma vez ou outra, as crianças brincando no quintal e a TV ligada no canal de notícias. Mas ela ficava por ali - entre copos, talheres e pratos sujos - procurando não pensar no quanto àquela rotina fadigada a corroia, mas por outro lado era também entre aquele espaço gelado que seus pensamentos ficavam mais distantes; era no gelo do ambiente que Rosana acreditava que podia voltar ao passado sem prejudicar seu presente e como um súbito piscar de olhos lá estava suas mãos não mais sujas de sabão e sim perdidas em seus casacos de pele luxuosos, jóias raras e batom vermelho. Era noite, o sino da igreja badalava indicando seu atraso de uma hora, mas não era preocupante, era bom atrasar nestes compromissos para mostrar um pouco de dispersão - proposital sim! - mas o cavalheiro não a consideraria um simples artefato de suas luxurias e sim uma mulher que poderia fazer o mesmo com ele. E então, mesmo com o badalar dos sinos que indicavam seu absurdo atraso, Rosana caminhava lentamente em seu vestido de cetim azul com rendas bordadas pelas ruas estreitas e escuras daquela noite de inverno sem se preocupar com as possíveis reações de seu novo amante. Ao entrar no salão apenas ficou imóvel próxima a porta principal a espera de ser convidada a alguma mesa com um bom champanhe ou até mesmo uma bela dança, mas nada disso aconteceu. O que se seguiu foi um toque em seu coração quando ela avistou Josué encostado no canto do saguão solitário e pensativo com o cigarro delicadamente encostado em seus lábios o que o deixava extremamente charmoso para os olhos de Rosana. Ela caminhou lentamente em sua direção e não reparou em Carlos, Alfredo e Luis que estavam sentados em uma mesa lateral tentando fazer um discreto aceno para que Rosana os acompanhassem a mesa. Os homens gostavam da companhia de Rosana porque com ela era possível falar de política, poemas complexos e assuntos intrigantes, pois atrás de seu olhar doce e seu sorriso perfeito também havia comentários convenientes sobre diversos assuntos considerados masculinos demais. Mas Rosana hipnotizada pela beleza de Josué não observou seus amigos e seguiu deslumbrante em direção aquele homem com cabelos negros, a pele alva e braços fortes que segurava o champanhe e mantinha o cigarro preso a boca como nenhum outro cavalheiro faria igual. E delicadamente a mão de Rosana tocou o rosto de Josué e a outra mão tirou o cigarro de sua boca e o tragou lentamente sorrindo logo em seguida que tirou um sorriso discreto da boca de seu amante que a pegou pela cintura chamando-a para dançar. E ao correr as mãos sobre os ombros largos de seu homem ela sentiu uma dor na palma de sua mão e teve a imagem do homem a sua frente um pouco destorcida, embaçada. O salão, as pessoas, as mesas com toalhas elegantes cheias de taças de champanhe. A banda, a música, tudo se perdendo lentamente. A torneira, a água, a janela para o quintal, o barulho das crianças a brincar e suas mãos cheia de sangue pelo corte profundo que a faca provocou. Lembrou que precisava lavar a louça rápido, lembrou das crianças necessitando fazer o dever de casa e seu marido atrasado para o emprego cochilando no sofá. Sentiu lágrimas escorrem pelo seu rosto - não pelo corte de suas mãos, mas pela vontade de sentir suas ilusões novamente tão próximas - pois naquela vida enfadonha que levava, o luxo, o batom vermelho e Josué eram apenas passaporte para um lugar que nunca existiu. |