TEUS OLHOS
Thaty Marcondes
 
 

Sinto teu olhar diferente, cada dia que passa.

Outro dia me peguei fazendo apostas comigo mesma: se o vento fechar uma das janelas, sinal que ainda te ama, independente do brilho dos olhos. A janela quase arrebentou o vidro, quando o vento pré-chuva arremessou-a de encontro ao parapeito do vão. O mesmo parapeito onde sempre espero, fim de tarde, avistar teu vulto ao longe, guarda-chuva no braço e pãozinho rente ao jornal do dia. Os passos vagarosos, o compasso certo até o ranger do portão, o olhar cheio de promessas e juras de amor.

Depois do barulho da tal janela, uma ventania a pipocar outros barulhos tantos que até fiquei zonza, sem saber o que acudir primeiro. A chuva veio inóspita, cruel e violenta. A tarde virou noite. E até o cair da noitinha, me ocupei em acomodar os transtornos causados pela tempestade de outono.

Cansada, sonolenta, banhei-me em águas espumantes e perfumadas.

A noite se fez espessa, escura, intransponível. Então acendi a luz e fui verificar, esperançosa, o brilho dos olhos teus a me falar, talvez, de amor. Chorei, pois teus olhos tinham ainda aquele tom embaçado, sem brilho, sem expressão.

Fiquei angustiada, preocupada, mas tomei uma decisão: amanhã cedo, sem falta, ligo pro dr. Otávio e peço pra ele vir examinar teus olhos. Por via das dúvidas, já encomendei ao Melo, da farmácia, outro vidro e mais formol.

 
 

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