MEU PAI
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Osvaldo Pastorelli
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Embriagado ele não perdia a consciência. Lembrava-se de tudo o que havia feito e dito. Parecia que o álcool desobstruía o seu inconsciente, onde a muito tempo guardado no sótão da sua vida, estava o porque de agir como agia. O que não conseguia dizer sóbrio, não sei porque motivo - talvez timidez, acanhamento, inferioridade ou mágoa - alcoolizado ele soltava a língua e toda a sua dor vinha à flor da pele. Não precisava do álcool para incutir, para ter coragem. Pois certa vez, estando sóbrio, defendeu-me a ponto de se atracar com um sujeito maior que ele. Fato que muito me deixou contente. Foi como se tivesse dito que me amava. A partir de então, passei a vê-lo com outro olhar, de uma outra maneira, e penso, comecei a compreendê-lo melhor. Ele não era de muitas palavras, falava quase nada. Era preciso ler nas entrelinhas dos seus gestos, nos vãos dos teus olhos, como dizia minha mãe: "É só olhar nos vãos dos teus olhos para saber se mente ou não". Um moleirão, do meu ponto de vista, eu, que sempre o comparava com os tios, passados todos esses anos, mais de vinte anos da sua morte, repensando a vida percebo que o compreendia e ele sabia disso, mesmo não dizendo a ele. Era um acomodado - e este jeito de ser foi à única coisa que herdei dele - mas não era covarde. Não possuía ambição, muito menos inveja. Apenas ressentia-se de algo que nunca descobri. Em sua visão modesta, o que tinha era suficiente. Para que querer mais? Não tinha jeito e não sabia ser carinhoso. Criado num ambiente rude, sem carinho nenhum, a maior parte da vida sem os pais, viveu a adolescência e a juventude sob o comando férreo do irmão mais velho. Talvez, isso era o motivo do seu ressentimento. A meu ver, seus dois maiores defeitos foram: não ser ambicioso e o impulso desenfreado pela bebida. Não ter ambição até que não é defeito, porém, beber, ah! Este era terrível. Todo o dia chegava meio embriagado. As sextas então! Por ser dia de fundição, serviço pesado, terminava mais cedo, ele e os amigos, principalmente se tudo corria bem, sem acidentes ou atraso no planejado, iam para o bar festejar o dia bem sucedido. Ah! Chegava em casa trançando as pernas, falando pelos cotovelos, repetitivo, xingando, blasfemando, nunca se referindo à mulher e aos filhos, sempre aos outros parentes, acusando-os da vida que levava. Quantas vezes sentava à mesa, suado, sujo, fedendo, querendo jantar. E, enquanto esperava a mulher esquentar a janta, dormia sentado. Chegava a passar a noite assim, quando não escorregava para o chão. A mulher e os filhos não tinham força para levá-lo para a cama. Um homenzarrão de quase dois metros, uns oitenta quilos ou mais, como tirá-lo do chão? Ali ficava. A única coisa a fazer, era jogar um cobertor por cima dele. O mais espantoso era seu relógio biológico. Todo o dia no mesmo horário, antes de todos, ele acordava. Tomava banho, fazia café, buscava pão, alimentava-se e saía pro trabalho. Todos os dias. De segunda a segunda. A mulher mordia-se de tristeza. Para ajudar no orçamento, pedalava sua máquina de costura, cuidava da casa e dos filhos, não deixando faltar nada. Ele não gostava de vê-la costurando para os outros. Ela se angustiava para pagar as despesas que faziam no armazém ou quando vencia o aluguel. Ele não se preocupava. Dizia: "Você é boba, mulher. Fica se matando. Pra tudo há de se dar um jeito". E pra tudo ele dava um jeito. Não sei como fazia. Comprava fiado no bar, na padaria, no armazém, mas nunca ficou devendo. Se alguém caía de cama doente, preocupava-se além do que devia. Fazia todos os gostos do paciente. Uma vez deixou de trabalhar quase uma semana, só porque a filha doente pediu-lhe que ficasse ao lado dela. Ele ficou. Só saía do lado da filha para ir ao banheiro. Até que um dia chegou o boy dizendo que o chefe estava chamando ele. Quando sofreu o acidente, ao sair do hospital, estava sem dinheiro. Seu irmão comprou os remédios sem que ele soubesse. Durante uma semana ele seguiu as recomendações médicas. Porém, um dia, chegou embriagado. A mulher deu bronca, preocupada e, sem querer, falou que o cunhado comprara os remédios. No mesmo instante sua fisionomia transformou-se. Possesso, despejou, um por um os remédios no vaso sanitário e puxou a descarga. A partir deste dia nunca mais tomou nenhum remédio. Anos depois, a mulher disse aos filhos: "Seu pai não está bem. Faz dias que ele não bebe". Dois dias mais tarde, ao chegar do serviço, respirando com dificuldade, falando pausadamente, pediu: "Me levem ao hospital. Não estou passando bem". Passou por vários exames e foi constatado tumor no estômago. Operado, um mês depois, veio falecer. Sozinho no hospital. |