AMORES VIRTUAIS
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Era
mais uma daquelas noites frias em que se sente a falta de alguém
ao lado, nem que seja para sentir o calor do corpo. Ela sentara-se defronte
ao computador para digitar o relatório que deveria entregar na
manhã seguinte. Desde a última briga com ele, tirara o fone
do gancho, de implicância. E tantas foram as noites em que fugiu
dele, deixando que a secretária eletrônica atendesse por
ela, que ele deixara de ligar. E tantas foram as vezes em que ela pensou
em ligar mas o orgulho falou mais alto, que parou de pensar. E o que outrora
havia sido amor tornara-se uma estranheza, uma espécie de constrangimento,
como se não tivesse, mais, o direito de invadir-lhe a privacidade.
Será que outra atenderia? Não pagaria pra ver. Pensava ainda nisso quando se flagrou conversando com um desconhecido. A conveniência do anonimato, aliada à força do apelido que adotara, fê-la abrir sua alma como jamais se permitira com alguém tangível. Era quase um monólogo, um desabafo represado durante anos, e que irrompia, livre, caudaloso, voluntarioso. Teclava como se psicografasse, numa sessão que se transformara em verdadeira catarse. Seu interlocutor talvez tivesse se identificado com a situação, pois começou a opinar como se já tivesse vivenciado experiências semelhantes. Era fantástica a oportunidade de debater, polemizar, xingar e esbravejar sem que a pessoa saísse pela porta, deixando-a falando sozinha. Despediram-se marcando novo encontro, na noite seguinte, no mesmo horário, na mesma sala. O dia pareceu longo, tamanha a sua ansiedade em reencontrar o amigo virtual. Entraram na sala antes do horário previsto, como se houvessem combinado. A conversa foi ainda mais agradável do que a da véspera. Sem as baboseiras típicas da situação, como perguntar peso ou cor dos cabelos. Conversaram sobre música, filosofia, literatura e descobriram afinidades que não possuíam nem com os melhores amigos. Chegou, enfim, o dia em que se conheceriam pessoalmente. Nada de flor na lapela ou roupa de tal cor. Chegariam, anônimos, a um restaurante, para ver se as impressões e intuições que um tinha a respeito do outro lhes permitiria identificá-lo de imediato. Ela não pôs sua melhor roupa: estava cansada de ver a ilusão se desvanecendo aos poucos. Dessa vez seria diferente. Ou gostava como ela era, ou nada feito. Com as mãos geladas e andando nervosamente pela calçada defronte ao restaurante, não percebeu que ele se aproximara pelo outro lado. Somente quando ele vendou-lhe os olhos com as mãos foi que ela reconheceu aquele perfume, o mesmo que ela lhe dera de presente. Soube naquele instante, ou talvez sempre tenha, de algum modo sabido, que era ele. Não tinha importância. Agora não eram mais estranhos. |