AMORES VIRTUAIS
Tatiana Alves
 

Era mais uma daquelas noites frias em que se sente a falta de alguém ao lado, nem que seja para sentir o calor do corpo. Ela sentara-se defronte ao computador para digitar o relatório que deveria entregar na manhã seguinte. Desde a última briga com ele, tirara o fone do gancho, de implicância. E tantas foram as noites em que fugiu dele, deixando que a secretária eletrônica atendesse por ela, que ele deixara de ligar. E tantas foram as vezes em que ela pensou em ligar mas o orgulho falou mais alto, que parou de pensar. E o que outrora havia sido amor tornara-se uma estranheza, uma espécie de constrangimento, como se não tivesse, mais, o direito de invadir-lhe a privacidade. Será que outra atenderia? Não pagaria pra ver.

O relatório estava atrasado, como tudo o mais em sua vida. Uma sensação de urgência apoderava-se dela, como se não houvesse tempo a perder. Do editor de texto, porém, seus dedos resvalaram para uma dessas salas virtuais de bate-papo, em que todos são lindos, jovens, perfeitos e bem-resolvidos. Mas o que faz pessoas tão incrivelmente carismáticas optarem pelos relacionamentos virtuais, protegidos pelo anonimato da tela do computador, e preservados em suas carências por aquilo que projetam, contando mentiras em que jamais acreditariam?

Pensava ainda nisso quando se flagrou conversando com um desconhecido. A conveniência do anonimato, aliada à força do apelido que adotara, fê-la abrir sua alma como jamais se permitira com alguém tangível. Era quase um monólogo, um desabafo represado durante anos, e que irrompia, livre, caudaloso, voluntarioso. Teclava como se psicografasse, numa sessão que se transformara em verdadeira catarse.

Seu interlocutor talvez tivesse se identificado com a situação, pois começou a opinar como se já tivesse vivenciado experiências semelhantes. Era fantástica a oportunidade de debater, polemizar, xingar e esbravejar sem que a pessoa saísse pela porta, deixando-a falando sozinha. Despediram-se marcando novo encontro, na noite seguinte, no mesmo horário, na mesma sala.

O dia pareceu longo, tamanha a sua ansiedade em reencontrar o amigo virtual. Entraram na sala antes do horário previsto, como se houvessem combinado. A conversa foi ainda mais agradável do que a da véspera. Sem as baboseiras típicas da situação, como perguntar peso ou cor dos cabelos. Conversaram sobre música, filosofia, literatura e descobriram afinidades que não possuíam nem com os melhores amigos.

Chegou, enfim, o dia em que se conheceriam pessoalmente. Nada de flor na lapela ou roupa de tal cor. Chegariam, anônimos, a um restaurante, para ver se as impressões e intuições que um tinha a respeito do outro lhes permitiria identificá-lo de imediato. Ela não pôs sua melhor roupa: estava cansada de ver a ilusão se desvanecendo aos poucos. Dessa vez seria diferente. Ou gostava como ela era, ou nada feito. Com as mãos geladas e andando nervosamente pela calçada defronte ao restaurante, não percebeu que ele se aproximara pelo outro lado. Somente quando ele vendou-lhe os olhos com as mãos foi que ela reconheceu aquele perfume, o mesmo que ela lhe dera de presente. Soube naquele instante, ou talvez sempre tenha, de algum modo sabido, que era ele. Não tinha importância. Agora não eram mais estranhos.

 
 

email do autor