INTIMIDADE
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Samuel Silva
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Deixei
os cubos de gelo chacoalharem no copo, pois aquele som de cascavel abafado
pela generosa dose de uísque que me servi me acalmava, antecipando
o relaxamento reflexivo que o álcool iriam produzir. Eu estava
tenso por conta de alguns problemas no trabalho, reengineering, downsizing,
coaching e outros "ing" que as consultorias viviam vendendo
aos donos de empresa e que, em uma palavra, significavam nada mais que
redução de custos com pessoas e nada menos que aumento de
despesas com consultorias. Mas queria estar relaxado, bem humorado, sensual,
queria que aquela noite fosse docemente tranqüila, sem grandes sobressaltos,
sem compromissos performáticos, apenas amor e carinho, o gozo dela
simples resultado de uma equação perfeita. Queria mesmo
surpreendê-la, por isso estava indo mais cedo para casa. Chego em casa, silencioso e vou para o nosso quarto. Ela não está, mas por baixo da porta do banheiro da suíte vejo uma nesga de luz. Abro a porta com delicadeza, suavemente. Eu a vejo: Sentada nua no vaso, as pernas abertas, os peitos balançando caídos um pouco sobre o abdome, a mão saindo do vão das coxas com um maço de papel higiênico tinto de vermelho, sobre a pia um absorvente. Pensei na velha piada, quis pescar, mas apenas voltei mais silenciosamente ainda para o quarto, liguei a tv e assisti ao Jornal Nacional. |