PEDIDO DE CASAMENTO
Patrícia da Fonseca
 
 

Já passava um pouco das sete e meia da noite. Maninho chegaria ao meu apartamento por volta das oito. Ele nunca se atrasava. E aquela noite era especial. Eu iria propor a ele que nos casássemos. Isto mesmo. Entre minhas amigas, aquilo foi inédito, um pioneirismo nunca antes visto. Imagine, uma mulher pedir a mão de um homem em casamento. Pedir não era bem o caso. Eu pretendia exigir, não apenas a mão, mas o corpo inteiro, a alma e o coração do Maninho. Depois de dois anos de enrolação e pressão familiar, decidi que a hora chegara.

Eu fiz tudo bem bonitinho. Uma prima deu a idéia de encher a casa de rosas vermelhas, mas achei que corria o risco de transformar o apartamento em um velório. Outra disse para eu colocar um vaporizador de lavanda no ar para deixar, digamos, o clima leve. Então, tive o estalo. Velas! Um jantar à luz de velas! Nos nossos dois anos de relacionamento, nunca tínhamos feito algo tão romântico, talvez por nossa natureza um tanto prática demais. Comprei uma lingerie vermelha para encerrar a noite com chave (e talvez, alianças) de ouro. Senti-me estranha com aquela calcinha e o sutiã. Não era eu. Mas também, aquela iluminação da minha sala, com as velas divinamente ardendo com toda a minha paixão, soava esquisita. Eu não era, como disse, romântica. Comigo não tem e nunca vai ter nhenhenhé. Mas. bem, a ocasião era especial. Meia hora antes de o Maninho chegar, a minha sala já estava à meia-luz. E eu, de lingerie vermelha.

Meia-luz. Quando contei para uma amiga da idéia sobre as velas, ela achou genial. Disse que seria maravilhoso um pedido de casamento na penumbra, pois eu veria somente o brilho dos olhos dele. Achei horrível a palavra "penumbra". Imaginei algo envolto em sombras, sombras se esgueirando pelos cantos, enquanto eu exigia que Maninho ficasse comigo pelo resto da sua vida. Penumbra é quase escuridão. Porém meu apartamento estava à meia-luz. Nosso amor seria coroado por uma seqüência de velas. Talvez fizéssemos amor no meu novo tapete peludo. E tudo à meia-luz. Eu só esperava que o Maninho não fizesse nenhum comentário mais sarcástico por conta das minhas inovações.

Cinco minutos antes das oito horas da noite, borrifei a lavanda por toda a sala. As velas se mantinham firmes e fortes. Coloquei um perfuminho de almíscar e estava pronta para o ataque. Que venha o Maninho!

Sentei-me no sofá e os minutos passaram. Depois, os minutos começaram a correr. Quando o relógio bateu oito e meia, meu coração também bateu mais forte. Maninho nunca se atrasara. Talvez houvesse acontecido algum acidente. Não, viúva antes da hora, não! Liguei para o celular dele e estava desligado. Aos poucos, me convenci que ele não deveria estar morto no IML. Muito provavelmente, quase com certeza, ele deveria ter se mandado. Alguém podia ter revelado ao Maninho minhas reais intenções e ele dado no pé. Que raiva!

Pulei do sofá, como uma leoa pronta para atacar a presa. Com alguns soprões, apaguei as velas e fiquei na escuridão. Acendi a luz e, para meu azar, deparei com a minha imagem refletida no espelho da sala. Eu era o retrato da solidão e do abandono. Lembrei da lingerie vermelha. Tirei o vestido, arranquei a lingerie e até hoje não a encontrei. No meu surto, talvez a tenha atirado pela janela. De pijama, fui até a cozinha e isto sim, eu me recordo, joguei o estrogonofe na pia. O musse de chocolate que ele tanto gosta eu comi quase metade. Mas fui forte. Não chorei nenhuma vez.

Todo este meu piti durou dez minutos. Eu não sei dizer quanto tempo a campainha tocava, quando consegui escutá-la. Larguei a travessa do musse de chocolate em cima da mesa quando ouvi que ela apitava, freneticamente. Pensei: Acharam o corpo do Maninho e vieram me contar! Cheguei com as pernas bambas até a porta, esperando pelo pior. Passei pelo espelho e me vi com o rosto branco e com expressão de viuvez. Coitada de mim, foi o último pensamento que tive antes de escancarar a porta com violência.

Era o Maninho.

Ele trazia um ramo de rosas vermelhas. Talvez pelos dois anos de convivência, ele não reparou no meu cabelo de doida varrida e nem no meu pijama de Snoopy. Entregou-me as rosas com um beijo e entrou, comentando:

- Estou sentindo um cheiro diferente no ar.

Fechei a porta, recuperando-me do susto. Ufa! Ele estava vivo e eu não havia ficado viúva.

- Deve ser a lavanda.

- Pensei que fosse estrogonofe.

Ele parou no meio da sala. Eu, ainda abraçada às flores, não esperei nem um segundo a mais. Fui direta:

- Quer casar comigo?

- Quando?

- O mais rápido possível.

- Quero.

- Quer o quê?

- Casar com você. Não foi isto que você perguntou?

- Foi.

- Então vamos.

- Vamos?

- Vamos casar.

- Eu. eu joguei o estrogonofe na pia. achei que você não vinha mais.

Maninho colocou a mão no bolso e tirou um estojinho. Foi a cena mais romântica da minha vida e pena que minha aparência não ajudava em nada. Ele se aproximou e me mostrou duas lindas alianças de ouro, com nossos nomes gravados.

- Atrasei-me porque a joalheria não conseguiu gravar os nossos nomes a tempo. Desculpe se estraguei alguma coisa.

- Espera um pouquinho.

Achei os fósforos, acendi cada vela e apaguei todas as luzes. Estávamos, então, à meia-luz. Eu via os olhos deles brilhando na semi-escuridão, como dissera minha amiga, mas eu acho que os meus brilhavam muito mais. E, como era de se esperar, nenhum de nós dois sentiu falta do estrogonofe.

 
 

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