SEMPRE A MEIA-LUZ
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Me dei conta que vivia à meia-luz. Não conseguia distinguir os vultos que me cercavam e, sequer, definir o que era bem ou mal. Estava no meio de um gigantesco redemoinho, cercada e pressionada por uma sociedade que se diz absoluta. Até o ano de 2002. Abri os olhos com um choque de crueldade. Tive de tomar decisões extremas. Afundei em mim mesma e de lá retirei a pessoa que sou hoje em dia. Mas sofri, tive medo, receio e até vontade de sumir durante esse processo. Saí ferida, cansada, dolorida mas íntegra. Tão íntegra quanto jamais fui, antes. Hoje tenho olhos para o mundo. Me enoja o que vejo, mas insisto olhar. Perdi minha inocência, meu egoísmo vazio. Percebo o quão cruel e injusto é o ser humano. Esse grupo de criaturas do qual faço parte, quer queira ou não. Percebo que nos dizemos superiores mas somos capazes de cometer atos de extrema crueldade contra os animais, plantas e até mesmo, nossos semelhantes. Nos dizemos inteligentes mas somos capazes de fechar os olhos para os famintos, aleijados, abandonados, agredidos, isolados, como se não pudessemos ficar iguais. Se bobearmos, ficaremos. Participo de grupos que defendem os animais. Defendo os animais. De nós, humanos. Queria participar mais, defender crianças, velhos, miseráveis, pessoas comuns assombradas pela violência, negligenciados... Não tenho tempo. Ou não quero. Nessas horas, me refugio na meia-luz. De onde pensava ter saído. Mas de onde não há saída. Porque, se houvesse, eu já estaria morta por aí. E seria mais um número na lista dos procurados e mortos que a sociedade insiste em ignorar. Mas faz. E manda. Vivo, mesmo sem querer, as verdades da meia-luz. Sempre à meia-luz... |