A VELHA SENHORA
Kátia Rodrigues
 
 

Na penumbra da sala bastava-lhe a luz da lua, hoje, crescente. Os últimos dias passaram tão ligeiros que mal teve tempo de olhar a si mesma, menos ainda para o céu.
Ainda assim lá estava ela, sentada diante da janela, contemplando no edifício em frente, televisões ligadas, pessoas chegando, jantares à mesa...

Em silêncio perdia-se nesse olhar ausente meio que divagando ou fugindo de si. Aquietara-se agora. As lágrimas já tinham mostrado sua dor, que restara só, e seu silêncio dizia de sua alma. Ali seus medos, sublinhados no silêncio fundo da noite, seriam companheiros, sob a meia luz da lua, enquanto esperava que o tempo corresse, que a noite fosse embora, que a madrugada breve, trouxesse o dia, e apesar de não ter esperanças, seria o da partida, para bem longe dali.

Observava o movimento do prédio em frente como uma tela, e em cada casa via protagonistas que já não tinha mais perto de si; no entanto éramos tão parecidos em nossas vidas felizes! Luzes anunciam a chegada de gente ou de sono. No escuro não sabe às horas, nem o tempo que está ali. "Minha cabeça perdeu-se", fala em voz alta.

Na sala, cercada de coisas, enxerga o relógio e as batidas lhes dizem das horas. Fecha os olhos e descobre por trás das pálpebras cerradas uma luz que não existia.
Evita qualquer movimento, enquanto de olhos fechados guarda os cantos da casa em que viveu por tantos anos: ouve risadas, passos, lembra das festas, dos aniversários.
Perto da porta, a mala espera que o dia amanheça e venham buscá-la. É só uma viagem ainda que sem volta, na mais completa escuridão.

 
 

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