RECORDAÇÕES
Elaine Brunialti
 
 

Meia-luz ou falta de luz ou luz de velas, tudo isso remete à minha infância.

Coisa boa infância, pena que a gente sempre quer crescer.

Agora mais velha, daria tudo por um dia de volta à infância.
Onde aos sábados era "batata" a falta de energia, aliás bem arcaico esse termo "batata".

As férias em Peruíbe eram a luz de velas, a luz de vaga-lumes ou de relâmpagos que cortavam e clareavam os céus nas noites de tempestade de verão.

Aliás, não havia nada por ali, somente a natureza tal qual Deus fez, mata atlântica, praias semidesertas, os habitantes caiçaras e nós os intrusos naquele paraíso.
O leite e o pão eram entregues, trazidos por uma charrete, logo ao alvorecer.

Nas manhãs de inverno, nos dias chuvosos os lampiões tratavam de clarear nossas manhãs. Nos dias em que o sol raiava enchendo de claridade nossos quartos, tratávamos de correr para fora e sentir o cheiro do orvalho sobre as plantas e ouvir as melodia harmoniosa dos pássaros que invadiam o quintal.

Quintal que não possuía muros, quintal sem limites para nossas brincadeiras e travessuras.

Os banhos de mar, os banhos de rio, os banhos frios, os banhos quentes em que a água era aquecida em latas lá no quintal.

O aroma da madeira crispando, o sabor do chá com as torradas quentinhas saídas do forno a lenha, onde derretíamos a manteiga salgada preferida do vovô.

Enquanto isso o cheiro do feijão na panela de ferro trazia a escuridão da noite e com ela o piar das corujas, o vôo rasante dos morcegos, as estrelas coalhando o céu de um azul marinho indescritível.

Se havia luar, especialmente em noites de lua cheia, ficávamos deitados no chão da varanda enquanto vovó rezava o terço e a ladainha e o vovô reclamava de fome.

O jantar a meia-luz, a luz de velas, pois os lampiões de enormes mangas de vidro, lindos como cristais, eram reservados para as noites em que as visitas apareciam.

Quase sempre após jantar saíamos para passear. Meu passeio preferido era ver o arrastão, corajosos aqueles homens que entravam com suas redes mar adentro, no breu da noite.
As redes voltavam cheias de peixes, siris e camarões, algumas conchas com seus ermitões.

Na volta arrastávamos os pés cansados, de tanta brincadeira, na areia fria, mal conseguíamos chegar acordados na cama, mas não dormíamos sem antes fazer as orações da noite e queimar os dedos na parafina, para mim espalmacete, das velas.

Hoje, ainda me deixo ficar assim a meia-luz, vagando nas doces lembranças da infância que fazem a vida valer a pena.

 
 

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