CONFISSÕES EM UMA TARDE DE SÁBADO
Patrícia da Fonseca
 
 

Cris preparava uma torta de maçã na cozinha. No dia seguinte, um domingo, a sogra estaria de aniversário e ficara combinado que ela levaria a torta. Uma sombra parou no batente da porta. Ela olhou com o canto do olho e anunciou:

- Pode tirar o cavalinho da chuva. Esta torta é todinha para a tua mãe.

Renato entrou, mudo, e sentou-se num banquinho, quase de frente para a esposa. Cris, que esperou que ele fosse protestar, estranhou quando ele permaneceu quieto.

- O que você tem?

Aqueles silêncios em Renato eram raros. Estava nítido que ele queria contar alguma coisa, mas não tinha coragem.

- Vai, desembucha - insistiu ela, tentando controlar a irritação.

- Bem, eu. - começou ele, parando em seguida. Depois, deu uma respirada funda e continuou - Eu preciso confessar uma coisa para você.

Cris continuou batendo a torta, só que com mais força. "Pronto, pensou ela, vai revelar finalmente que tem outra mulher. Bem que achei estranho aquelas saídas.". Em silêncio, sem prestar mais atenção na torta da velha, Cris o encarou. Renato foi em frente, pois sabia que se titubeasse naquele momento, seria muito mais difícil depois.

- Acho que você já está desconfiada...

- Desconfiada? - perguntou ela, tentando controlar o tom de voz - Eu tenho certeza.

Renato arqueou a sobrancelha e perguntou, surpreso:

- Certeza de que jeito? Nós sempre fomos discretos!

- Ora, Renato! Você acha que está casado com uma imbecil?! - Cris sacudiu a colher de pau na frente do marido, respingando a massa da torta em cima dele. Se a ocasião fosse propícia, ele teria se lambido - E as suas saídas? E eu não falo só das saídas noturnas, eu estou falando também das vespertinas! Quantas vezes acha que eu liguei para o seu trabalho e fui informada que você não estava? Onde poderia estar o senhor? Na vagabundagem! Eu sei de tudo!

Cris não sabia absolutamente de nada, mas não queria deixar que Renato fosse embora, levando a impressão de que ela era uma palhaça.

- Você me deixa surpreso - disse ele - Eu estou aqui para confessar que ando vivendo literalmente duas vidas. E você me diz que sabe de tudo?! - Renato se mostrava perplexo.

- Ah, é?! Quando fazemos as coisas erradas, devemos fazer bem feito para que ninguém as veja ou perceba.

- Cris, não considero que meu caso de amor seja visto como algo errado - respondeu Renato, calmamente.

- Bem, então me desculpe. Não sabia que trair a própria esposa era considerado algo certo, portanto dentro da normalidade.

Batendo a torta com cada vez mais força, Cris decidiu que a sogra, agora ex, não comeria torta alguma. E de raiva, ela seria a torta mais deliciosa feita por ela.

- Olha, só - insistiu Renato - o fato de você já saber tudo, torna as coisas mais fáceis. Eu deveria ter contado desde o início, só que eu não sabia que tudo iria terminar assim.
Estou apaixonado, Cris.

- Muito bem. Então pegue as suas trouxas e vá morar com seu amor.

- Meu amor está aqui.

- O quê? - perguntou ela, finalmente deixando de bater a torta e colocando a travessa em cima da mesa - Mas que atrevimento de vocês dois!

- Ele quis se explicar cara a cara com você.

Ela ficou em silêncio, analisando a frase de Renato. Perguntou:

- Ele?

- Sim, ele.

- Ele quem?

Renato fez mais uma das suas caras de surpreso.

- Ora, o Claudinho. Você disse que já sabia de tudo.

A cabeça de Cris dava voltas quando ela respondeu:

- Renato, o único Claudinho que eu conheço é o meu irmão.

Uma voz veio da porta, assustando Cris, que estava de costas:

- Oi, mana.

- Mas o que você está fazendo aqui? - berrou Cris, olhando atarantada para os dois, tentando entender o que ela já havia entendido, mas não queria assimilar.

- Acho que não preciso dizer mais muita coisa, né? O Renato já contou tudo e você confessou que já sabia.

- Eu. - Cris balbuciou. Havia sido trocada por um homem. E este homem era seu irmão. Nunca desconfiara das tendências homossexuais de Claudinho. E o que falar então de Renato? - Mamãe já sabe?

- Sim.

- Sou a última a saber?

- Praticamente - respondeu, Claudinho, constrangido.

Renato se levantou do banquinho e se postou ao lado do namorado. Ficaram olhando para Cris, esperando por um ataque histérico que não aconteceu. Ele anunciou:

- Estou indo hoje para o apartamento do Claudinho.

Ela sacudiu os ombros. Não tinha nada a dizer.

- Depois vamos fazer uma viagem - contou o irmão.

Cris não agüentou a curiosidade:

- Para onde?

- Vamos passar uma temporada em Paris.

Lembrando das inúmeras vezes que implorara para passar o final de semana na praia e dos queixumes de Renato que sempre se dizia muito cansado, Cris desejou que o avião caísse no mar.

- E na volta, vamos adotar uma criança - revelou Claudinho, orgulhoso.

Olhando para a barriga do irmão, ela disse:

- Pensei que você já estivesse grávido.

Aquilo foi o fim. Renato fechou a cara e foi puxando o namorado pelo braço, enquanto dizia:

- Já fizemos o que tínhamos para fazer aqui. Vamos embora, querido.

Os dois saíram sem dizer mais nenhuma palavra. Cris ainda pôde ver quando Renato pegou duas malas grandes e saiu porta afora para nunca mais voltar. Depois que teve certeza realmente que eles haviam partido, Cris voou até o telefone e discou um número rapidamente. Uma voz feminina atendeu a ligação.

- Evelin? Sou eu. Aconteceu algo inacreditável. O Renato está tendo um caso com o Claudinho. Eles foram morar juntos. Sim, aconteceu neste exato momento. Ele confessou tudo, bem na hora em que eu estava fazendo aquela torta de maçã para a mãe dele. Claro, claro, eu sei querida. O caminho está aberto para nós. Eu iria contar tudo para ele amanhã, depois do aniversário da jararaca, mas Renato antecipou os acontecimentos. Você pode vir para cá a hora que quiser. Vamos comemorar com a torta da velha. Também amo você, Evelin. Mal posso esperar que você chegue aqui. Vou colocar aquele jogo de lençóis novos que escolhemos semana passada. Você quer o florido? Ótimo, adorei aquele. Quando você chegar, nossa cama estará de lençóis novinhos. Você acha que vai demorar? Ok, mas não corra muito está bem? Sabe como é este transito louco.

 
 

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