À PRIMEIRA ROSA DA AURORA
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Há certos momentos na vida em que, para resgatarmos uma alegria saudosa, devemos nos render às nuanças das lembranças. Lembro-me que há muito a percepção era o sentido essencial à felicidade. Outrora tive uma vida, e não me reconhecia. Sorria, e o fazia com demasiado fervor, alheio a qualquer profundidade bíblica. Deitava-me à sombra de uma árvore travando contra o vento uma luta idílica, babujando os frutos doces do amanhecer da vida. Nunca gostei dos meios. Vivia numa primavera constante, mas fatigavam-me, às vezes, tantas rosas lascivas e olhares ternos. Meu primeiro outono abateu-me como um espelho. Vivia feliz, era sincero e não temia a chuva. Não conhecia o poeta cujo verso purificou-a, mas sentia a simbiose do choro com minhas alegrias. Foi assim que me resignei à solidão. Distante dos afagos e dos interesses, confesso nunca ter aspirado à perfeição. Porém, arrebataram-me os teus olhos, tal como o torpor provocado pelo absinto. Entreguei-me à volúpia deles reconhecendo assim uma profundidade apocalíptica. Destilando os venenos do êxtase e sorvendo-os nos teus lábios nivosos, paralisei-me ante a fulgurância de tua calma. Todo e qualquer ímpeto de solidão outrora requerido fora desvanecido. Senti o fervilhar da morte em meus dedos outorgando-me vida. A intensidade do teu corpo era abissal. Buscava aliviar minha verve carregada de abdicações. Sempre postergando minha liberdade, cria que o amor era neófito de Sócrates. Destarte pus-me a ter com a primeira rosa da aurora, mãos à feição de conchas e olhos ternos ante a transparência do infinito, confessei: Não existe vida nem aquém, nem além do amor. |