QUEBRANTOS
Lia Falcão (Lilly)
 
 

Quando pequena, uma das avós sentava-se ao alpendre e sentenciava: -"Esta menina tem os olhos muito sabidos, mas são tristes que só vendo. Mandem logo rezar, senão piora..." E continuava a fazer seus bordados e a suspeitar da sanidade contida do olhar daquela menina.

De rezadeira em rezadeira, todos os pés de pião roxo murchavam à movimentação e ao sinal de cruz que lhe faziam. Aquilo sim, era uma beleza! Puro encantamento para a menina. Seus olhos brilhantes não paravam de faiscar ao sabor das questões sobre as coisas que temia e as que teimava em não temer. Principalmente do mal-olhado que a vida lhe garantiu.

De vez em quando, para satisfazer sua avó, a menina confessava: "A rezadeira era das boas e aquilo, sim, é que é um bom desquebranto!" Mentia a menina... Menos para se ver livre da conversa da avó do que para ficar por ali, quieta, e poder espiar secretamente o que a vida lhe escondia...

Ainda hoje, a menina antiga observa e, de olhos bem graúdos, ainda se espanta e se assombra com os muitos escuros de seu presente e os poucos clarões de seu passado.

Quem dera uma rezadeira, bem sábia e boa, que lhe mentisse sorrindo e lhe dissesse baixinho o que o mundo contraria: que não há quebrantos nessa vida e que poucos são os desgostos... E sempre que se confessa com a avó, ouve calada e descrente: - "Tira essa tristeza dos olhos, menina!"

 
 

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