E ERA ELA PECADORA?
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Com esta dúvida, entrou na Igreja disposta a resolver sua "pendência" com o "homem lá de cima". Não era mulher de mandar recado, mas deixou-se levar pela conversa de Maria de que, vez ou outra, era bom passar as coisas a limpo por aqui mesmo, para aliviar a alma das impurezas da terra... Se ia sair em paz com Deus sinceramente não sabia, mas só a caminhada em direção ao confessionário já estava valendo tal impulso. Tinha que se conter para não cair no riso, ao ver a cara de horror das beatas se benzendo ao vê-la passar, como se fosse ela a manifestação pura do "demo"... Tudo ia bem até se deparar com um sussurro vindo à sua direção: "mulher de vida fácil"... Sempre disposta a não levar desaforo para casa, olhou para os lados pronta a exigir uma retratação da engraçadinha que havia pronunciado esse absurdo. Vida fácil? Tinha noite que a rotatividade era de amargar. Transava de tudo quanto era jeito, com homens suados, amargos, grosseiros, alguns desprezíveis, com taras capazes de avermelhar muita gente que entende do babado. E ainda era obrigada a conviver com esta "alcunha" totalmente incompatível à sua realidade diária? Mas, sem entender o porquê, achou melhor respirar fundo e contar até dez para não se desviar do seu objetivo. Olhou para o lado e deparou-se com Yemanjá na imagem de Santa Barbara. Era o sinal que precisava para cair em si, e ver que não deveria perder tempo em ficar se justificando. Não seria uma "mal amada qualquer" que a tiraria de seu caminho. Jogou os cabelos para o lado, levantou a sobrancelha e sorriu como se não fosse com ela. Assim era Rita, poderosa como sempre. Não caia do salto por qualquer coisa. Filha de Carmela, nascera dentro do famoso bordel de Madame Mariah. Eleito por sua discrição, meninas de alta classe e pela clientela fixa de fazendeiros, empresários, políticos do alto escalão daquela tacanha cidade do interior. Protegida de Madame, sempre teve do bom e do melhor e desde a infância foi preparada para ser coroada a princesa da casa. O que não foi difícil! Conforme crescia, via a beleza sorrir para si. Morena jambo, boca carnuda, olhos cor de mel, curvas bem delineadas e sensualidade a flor da pele. Bastava um olhar para ver homens e mulheres curvarem-se a seus pés. Sua virgindade então, fora arrematada no leilão mais comentado da cidade. Por pouco não acabara sendo disputada a tapa. Dizem ainda hoje a dificuldade que foi consolar um político famoso por não ter chegado a tempo do último lance. Com tudo isso, que mais queria? Sentia-se poderosa. Tinha muito, dentro do pouco que a vida lhe oferecera. Qual seria o seu pecado então?, pensou. A prostituição? E prostituição era pecado? Como sempre diziam seus amigos políticos, tudo era uma questão de ponto de vista. Não tinha vergonha de sua vida, condição e profissão. Ultimamente, um pouco mais politizada, e participando do sindicato da categoria, começara até a considerar que deveria mesmo era ser respeitada pelos serviços prestados em benefício da família e sociedade. A não ser os honorários cobrados, sempre compatível à capacidade financeira de seus clientes, não tirava nada de ninguém. Pelo contrário, dava-lhes prazer para voltarem mais leves, tranqüilos e satisfeitos para suas entediadas e amadas mulheres. De quebra até dava uma de psicóloga. Sem cobrar extra, fazia o que o mundo de hoje não tem mais tempo de fazer: aprendera a escutar. Nada além do que simplesmente escutar. Com a alma leve por suas conclusões, caminhou em direção ao confessionário pensando se teria realmente o que falar ao padre. Aproximou-se, ajoelhou e, mais curiosa do que preocupada, resolveu, antes de qualquer coisa, olhar fixamente nos olhos daquele que iria dar-lhe o perdão divino... Não é que, desta vez, quase caiu de costas! Justo ele? "Jonny - o "taradinho das quartas!". Famoso entre as meninas por suas impublicáveis fantasias sexuais? Pasma com tal surpresa, porém discreta como aprendera com Madame, num segundo se recompôs, abriu-lhe um sorriso cúmplice e, sem virar para trás, saiu porta afora, com uma única frase martelando em sua cabeça; "E era ela a pecadora?"... |