O SEGREDO |
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Toda noite, a mesma história: ele se levantava no meio da madrugada, com sede ou com a bexiga cheia, e saía pelo imenso apartamento, tateando as paredes e os objetos. A esposa há mais de trinta anos acordava a cada movimento, mas assistia a cena em silêncio, até que ele se perdia através da porta do quarto e seguia naqueles movimentos atrapalhados pelo resto da casa. E aquilo ficou um segredo: ele nunca explicou, ela nunca perguntou. Uma manhã, o velho acordou se lamentando de dores numa perna, e finalmente teve que contar à falsamente surpresa mulher sobre sua mania noturna. - Eu dei uma topada com o pé. - Onde? - ela perguntou, desta vez com autêntica curiosidade. - Na porta do banheiro - disse, com naturalidade. - Mas como, criatura?! - Bom... Eu não vi que a porta estava meio fechada. - Como você não viu?! Era uma porta inteira! - É que... É que eu estava no escuro. Ela não disse nada por uns segundos e, afinal, perguntou com a calma de quem tenta entender as loucuras de uma criança: - No escuro? Ele confirmou com a cabeça e resolveu contar toda a história: desde o infarto, começou a pensar que todas as desgraças do mundo poderiam lhe acontecer, então, quando acordava à noite, treinava para o caso de um dia vir a ficar cego. A mulher não falou mais nada. Não quis perguntar, não quis que ele explicasse. Virou-se para o lado e voltou a dormir - ou a fingir que dormia, cúmplice das tolas preocupações do marido. Ele morreu anos depois, com alguns hematomas pelo corpo e a visão perfeita. |