A OUTRA
Patrícia da Fonseca
 
 

Fiquei no escuro. Foi isto que senti quando o Cláudio me chutou. Cheguei de noite em nosso apartamento e encontrei-o sentado no sofá, ao lado de uma loura. Parada na porta, segurando a chave do carro na mão, deparei-me com aquela cena surrealista: meu marido assistindo DVD com outra mulher. Íntimos, praticamente. Senti a vista escurecer, achei que fosse desmaiar. A loura me encarou, triunfante, do alto dos seus belos olhos azuis. O Cláudio não parecia estar tão constrangido quanto eu achava que deveria estar. Ele se levantou, aproximou-se de mim e me puxou para dentro do apartamento, fechando a porta em seguida. Sem deixar a peteca cair, ele fez as apresentações:

- Lúcia, esta aqui é a Karen. Karen, esta é a Lúcia.

- Prazer - disse Karen, ficando em pé, a minha frente.

Cláudio e Karen, abraçados como um casal a minha frente, encaravam-me, sorrindo. Estaria eu fazendo parte da pegadinha do Faustão? Quando achei que tinha voz suficiente, perguntei:

- O que significa isto?

A pergunta clássica. Esperei também a clássica resposta "Não é bem isto o que você está pensando." Mas não. Hoje é tudo muito moderno. As separações dos casais agora é algo moderno e banal. Um deixa de gostar do outro, cada um vai para o seu lado e vida nova. Fácil, fácil. Fácil para quem?

- Lúcia...

Cláudio começou a falar e lembrei-me que de manhã ele ainda me chamara de "benzinho". Cachorro!

- Karen virá morar aqui comigo, agora. Ela é a minha nova mulher. Deixei as suas roupas em cima da cama para facilitar quando você começar a arrumar as malas.

Droga, lembrei que o apartamento era dele. Senti-me, de repente, num lugar escuro e profundo. Como se eu tivesse despencado em um buraco negro. Pensei que iria cair, mas não daria este prazer para aquela vadia. Eu quis perguntar onde ele conhecera a vagabunda, há quanto tempo eu estava sendo traída, quantos já sabiam daquele caso e o que ele achava de levar um tiro bem no meio do peito. Mas não fiz nada. Elegantemente - pelo menos eu esperava me comportar assim - passei reto pelos dois, totalmente muda no meu estado de choque. Fui até o quarto e achei que seria seguida por eles. Afinal, talvez eles quisessem fiscalizar se eu iria mesmo arrumar minhas trouxas e me escafeder dali. Encontrei minhas roupas jogadas na cama, algumas peças caídas no chão. Karen e Cláudio não foram atrás de mim. Fechei a porta e pus a arrumar minhas malas, perguntando-me se aquilo tudo era verdade. A foto do nosso casamento não estava mais em cima da cômoda. Minha sensação de vazio e escuridão aumentou. Imaginei quando enxergaria novamente a luz no fim do túnel depois daquele chute. E a vergonha, então? Pior, e a minha falta de reação? Por que eu não quebrava tudo, jogava os cds dele pela janela e quebrava o computador? Nem eu sabia. Não estava preparara para uma situação como aquela. Imagine chegar em casa e encontrar seu marido com uma nova mulher? A vizinhança do pombal onde eu morava iria adorar a novidade. Seria assunto por muito e muito tempo.

O celular tocou. Era minha melhor amiga. Não tive nem tempo de dizer "alô".

- É verdade? É verdade mesmo?

- O quê? - perguntei, com o coração acelerado.

- Que o Cláudio se amaziou com outra?

A notícia se espalhara. Mas como?

- Eu. bem. será que tem um lugar na sua casa para eu passar alguns dias até arrumar outro lugar para ficar?

- Claro. Mas antes fure os olhos desta vagabunda.

- Está bem - respondi, feito um robô.

Terminei de arrumar minhas malas em tempo recorde. Quando acabei, minhas pernas estavam bambas. Peguei a tesoura e abri o guarda roupa. As roupas da rameira já estavam penduradas ao lado das dele. Rasguei-as todinhas. Fiz picadinho. Cada peça eu imaginava que era um deles e a sensação de escuridão foi indo embora aos pouquinhos. Mas eu sabia que ela iria voltar. Pensei em furá-los também, mas desisti. Passar o resto dos meus dias presa não fazia parte dos meus planos, embora naquele momento eu não conseguisse enxergar muita coisa à frente. Segurei as duas malas, peguei a bolsa e abri a porta do quarto. O lindo casal estava novamente no sofá, aguardando minha saída, que foi triunfal. Saí sem olhar para ninguém e não fechei a porta porque estava com as mãos ocupadas. Mas queria ser uma formiguinha quando eles abrissem o roupeiro e vissem o estrago que fiz. Talvez dali alguns anos eu risse se imaginasse a cena. Mas naquele momento, a única coisa que eu desejava era a solidão e o silêncio de um quarto escuro.

 
 

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