A PALMEIRA, O EDIFÍCIO E A CARTA
Ly Sabas
 
 

Hoje passei pela sua rua. Revi o edifício pela primeira vez depois do término da construção. Não resisti e fiquei parada na calçada, bem em frente à sua janela. A cortina cerrada deu-me coragem para observar cada detalhe do prédio que durante muitos meses povoou nossos sonhos e conversas.

Primeiro meu olhar foi atraído pela imponência da palmeira no minúsculo jardim. Fiquei imaginando o porquê da escolha do paisagista. Qual simbolismo o haveria inspirado à plantar, em meio a delicadas flores azuis e amarelas, uma palmeira imperial? Mania de grandeza, diria você em nossos velhos tempos.

Depois, reparei que a palmeira estava ressecada, o tronco totalmente esbranquiçado, como se fosse não uma planta, mas sim uma escultura colossal, lapidada em pau-rosa. Reparei que ela estava rodeada por minúsculas lâmpadas brancas que, provavelmente, fizeram parte da decoração natalina. E continuei imaginado o porquê dela estar lá, mesmo que, visivelmente, morta.

Não sei quanto tempo se passou, entre minha parada e a abertura da porta de sua sacada. Não esperei para ver quem sairia. Minha coragem não chega a tanto. Ainda não quero revê-lo ou conhecer, mesmo de longe, a pessoa que divide com você cama, mesa e novos sonhos.

Já que tomei coragem para lhe escrever, quero confessar que gosto de ficar parada na janela do meu quarto, no escuro, observando as luzes esparramadas pela ladeira em direção ao seu prédio. Ao meu ex-futuro-prédio. Aqui, de longe, a silhueta de concreto parece um marco entre o que é e o que poderia ter sido.

Aqui, protegida pela solidão escura, vejo casais que passam na calçada de mãos dadas, vigiando crianças que correm alegres, passos à frente. Vejo casais mais velhos que caminham, comedidos, de braços dados, satisfeitos com a companhia um do outro. Mas vejo também homens e mulheres lado a lado, apressados, distanciados, evidentemente desapaixonados. E somos nós em cada um deles, nos filhos e na velhice que, juntos, nunca teremos. Agora, enquanto escrevo, percebo a importância de ter passado hoje por sua rua. Compreendo a simbologia representada pela árvore esbranquiçada. A palmeira imperial, sem seiva alguma, mas ainda coroada pelas lâmpadas brancas de natal. Não continuarei agindo como o jardineiro que não consegue reconhecer a morte da palmeira, e prossegue cultivando as flores à sua volta na esperança de que ninguém perceba que a vida dela não está mais presente.

Dei o primeiro passo. Vacilante, reconheço. Mas dei. Acendi as lâmpadas do quarto, e me deixei ver pelos casais passantes. E olhei na direção imaginária de você. Por isso escrevo, para lhe dizer que finalmente sai do escuro, retornei a vida e talvez, quem sabe, à luta.

 
 

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