O CAMINHO
Kátia Rodrigues
 
 

Estava diante de uma caverna escura, com medo de entrar. Sempre tive cuidado de nunca estar completamente prisioneira do escuro. Mas agora era diferente. Muitas vezes andei por diversas casas em que estive, ao longo de intermináveis noites, completamente no breu, sabendo cada canto, sombra ou ruído. A maior parte das minhas noites foram sós, e não seria diferente justamente agora. Em toda minha vida, longa vida, fui cercada de luzes, lâmpadas, lamparinas de fé, lanternas, abajures. Era bom saber que bastava um gesto e tudo se iluminaria como um amanhecer, até o dia clarear, a vida acordar e então percorrer seus caminhos, sem medo.

Agora, de frente a uma nova porta estranha. Fraca, cansada, exausta, e ainda assim sem vontade de ir. De que adianta minha vontade agora? Meu Deus valei-me! Tenho medo, e se fecho os olhos e me calo é para aumentar o silêncio, prolongando o sossego, tentando restar aqui num canto, completamente invisível. Um relógio ao longe, não escuto bem, bate os quartos de horas. No escuro ouço vozes que não conheço mais e me pergunto onde estão todos. Estou só, mas sinto-lhes a presença, meus tão queridos! Levanto lentamente, ajeito os cabelos (brancos), procuro o anel no dedo que não tem mais nada. O escuro não me deixa ver quem me tornei, nem quem pensei que era. Meus pés frios tocam o chão, e súbito tudo se confunde, paredes, formas espaços, e não sei mais onde começa o quarto, a vida lá fora, o tempo.

Aprumo os olhos num ponto de luz distantes, flutuando no vazio, enquanto me equilibro. Um castiçal suspenso se aproxima e sem que eu perceba, o ar tornou-se rarefeito, levando o medo, que cede a serenidade; um torpor me abraça, deixando leve, com uma rapidez inusitada e um vigor guardado da infância. Na chama que bruxuleia vejo a vida de um minuto atrás, e descubro que estou onde nunca estive, um lugar completamente novo, e mesmo sem ser mais eu, sei de mim, agora apenas a essência do que fui um dia.

 
 

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