VERDE
Sil Corley
 
 

- Mãe, o pai tá direto lá no Bar do Dico enchendo o carão de novo. Precisa ver só.

- Eu sei, Júnior, eu sei, esse desgraçado hoje me paga. De hoje não passa. Estou Roxa de raiva.

- A senhora quer que eu vá dizer prele vir almoçar que já tá pronta a bóia?

- Não vá na fiúza, guri. Ele vai te chatear. Deixe comigo o desboque. Deixe o traste por minha conta.

- Ele já gastou uma nota preta. Tá pagando pinga pra todo mundo. Até parece cheio de bufunfa sobrando.

- Esse traste não muda mesmo. Ontem o disgramado me prometeu mudar de vida, tomar jeito, deixar as farras e a boemia.

- Pelo jeito ele vai torrar toda a grana do décimo-terceiro em sinuca com os amigos do alheio.

- Nem te ligue menino. Venha, venha comer o picadinho antes que esfrie. Lave as mãos, tire essa japona encardida. Limpe esse ranho seco na manga.

- Quer que eu ligue de novo para o pai valentão dele vir dar um couro no traste?

- Não te envolva, Júnior, daqui a pouco ele enche a fuça e vem se aprumar aqui mesmo... É aqui que ele vai cair no vareio do esparramo todo. Hoje eu o pego.

- Meu medo é que ele fique valente de novo. Meu medo é esse, sem tirar nem pôr.

- É ruim, hein? Hoje tô preparada. Tô reinando que só vendo. Hoje ninguém me segura. Seja o que Deus quiser!

- Como assim, mama? Como assim? Tô ficando meio desaprumado de seu feitio brabo e pegajoso.

- Arrumei uma garrucha com o Compadre Casagrande Taxista. Se ele vier com a feição virada, estouro o meio das pernas dele.

- Nooosa Mãe!. A sra tá ficando brava de vereda outra vez, hein? Deus que aprume!

- De hoje ele não escapa, o desgraçado vai ver só com quantos paus de faz uma canoa.

- A sra tá me deixando com medo, Mãe. E se errar o tiro? E se ele conseguir tomar a garrucha das mãos da sra?

- Aí, guri, reze que ele vai fazer um forfé dos quintos. Capaz dele acabar comigo e contigo de uma só vez.

- Deusolivre, mãe. Acho que vou ficar lá na esquina sondando o velho, assim, trago ele na maciota com uma conversa fiada, faço ele ir dormir direto no paiol, até amuar a valentia de bêudo dele e ele então amanhã passar o porre inteiro, ficar de novo fino com seda.

- Deixe comigo, filho. De hoje não passa. Se ele vier com a fuça cheia eu acabo com tudo de uma vez pra sempre.

- Tô cum medo, Mãe... Tô me assuntando aqui comigo, e tô mesmo com um medaço...

- Ora, se enxergue guri, honre essas calças. Vai ser só um susto pra ele aprender a virar homem.

- Mãe, isso não vai prestar. Não está me cheirando bem... Não sei porque mas não tá batendo.

- E desde quando você tem consciência inteira das coisas, Júnior? Tá me estranhando é?

- Sabe mãe, eu adoro a sra, mas eu também gosto barbaridade do pai, ele é meio fuzarqueiro, mas eu adoro o Pai.

- Um traste, um coió, isso é o que ele é mesmo, na verdade. Não sei onde eu estava com a feição quando me arranjei de barriga com ele. Como fui uma tonta saranga de cair na lábia do feiçudo arigó?

- Pois é, mãe, o pior de tudo é que eu sinto que esse seu montado arranjo não vai funcionar.

- Tá me agourando, é, piá? Onde já se viu? Tem cabimento? Será o impossível?

- Mãe, a sra não podia deixar tudo pra lá só hoje, e amanhã cedinho cobrar dele; deixar passar só dessa vezinha?

- Nem por força, guri. Hoje eu acerto a vida desse vagabundo porqueira.

- Não seria melhor chamar o irmão adorado dele, o cumpadre Roberval? O Roberval pode direitinho com o pai.

- Aquele é outro que tem miolo mole pra mais de metro. Nem se fie muito nesse também.

- Mas ele tem poder sobre o pai, tem moral, pode levar com jeito, dar um trato na situação, relevar, considerar tudo, aplainando o problema.

- Não confie muito guri. Os dois são farinhas do mesmo saco. Você não sacou ainda, ora essa?

- Mas se eu ligar do orelhão pro Padrinho Roberval, ele vem de jipe e dá uma folga pra gente, quem sabe conversa com o pai, põe as coisas de molho, em pratos limpos, pode ser que dê certo assim.

- Nem se envolva direitinho piá, é melhor você ficar fora desse jogo ruim de azar.

- Mas mãe, eu tô cum medo. O pai quando bebe vira um baita "Onço". E hoje ele tá verde de tanta manguaça. Parece um Hulk bêbado.

- Pois hoje a coisa vai mudar. Vou ser uma onça pintada & ferida a trombar de frente com ela, se preciso vou dar uma surra de toalha molhada nele.

- Mas vai ficar feio, mãe, os vizinhos vão falar, sabe como é o pessoal daqui da Vila São Vicente.

- E eu tô lá ligando pra forfé de vizinho fia-da-mãe? Eles que vão caçar o que fazer.

- Mãe, se assunte, dá um tostão que eu ligo pro tio ou para o vô... Deixa eu ligar, vá? Estou amarelo de medo do que pode acontecer.

- Nem pense, não encha o picuá, Júnior, deixe comigo que de hoje ele não passa. Tô azeda que só vendo.

- Posso então ir rezar uma ladainha na Igreja Nossa Senhora do Rosário, mãe?

- Vai, entojado, vá!. Azule daqui, chispe, dê no pira antes que a coisa fique preta.

- E peça ao bom Deus para que quando o traste do seu pai voltar, eu já esteja com tudo afiado, tudo pronto, tudo montado para mostrar direitinho pra ele que não sou mulher molenga de fritar bolinhos e nem flor que se cheire...

- ..."Ave-Maria cheia de graça. Fazei com que o pai largue a cachaça..."

 
 

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