A ESPERA
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Com gestos miúdos e contidos fechou as gavetas da mesa uma por uma. Jogou as chaves na bolsa de couro aberta em cima da mesa. Quinze minutos faltavam ainda para cinco e meia. Mesmo assim resoluta se encaminhou para o elevador. Na recepção desejou um bom fim de semana à recepcionista. Ao sair para a rua sentiu o impacto do vento gelado cortando seu rosto moreno claro. Enfiou as mãos no grosso casaco como se tal gesto fosse protegê-la do frio intenso. Época boa para caminhar costumava dizer. Parou no pipoqueiro comprou seu saquinho habitual de pipoca. No semáforo atravessou a rua principal. Um quarteirão depois, à esquerda, desceu o declive pela trilha que cortava o pequeno canteiro onde a placa fincada bem no meio do verde dizia em letras quase apagadas: não pise na grama verde, deixando a marca dos pés seus sobre os muitos pés de transeuntes apressados. O ponto do ônibus como sempre era um imenso formigueiro. Parou afastada da compacta massa aglomerada à beira da calçada olhou o relógio. Dali a pouco o noivo viria apanhá-la. Como sua vida podia ser uma imensa futilidade mesquinha de nada lhe acontecer a não ser o corriqueiro foi o que perguntou a si mesma observando a afobação das pessoas em querer tomar a condução, via uma ânsia de se ter alguma coisa para se fazer, de se ter um compromisso que provavelmente, preencheria a vida de cada um. Indignava-se com aquela afobação. Um empurra sem fim que só demonstrava ignorância bestial contra o semelhante. Todos de uma maneira ou de outra chagariam em casa, por que precisavam ir todos ao mesmo tempo? Mudou o pé de apoio. Cruzou os braços. Do peito saiu um suspiro curto, cansado. Droga de vida! Por que ele demorava? - pensou impaciente. Nisso sem saber como, começou a sentir um pequeno formigamento do lado esquerdo ao mesmo tempo a temperatura do corpo subiu. Não agüentava o calor. Apesar do frio tirou o casaco. Pôs se a andar de um lado para o outro na esperança de que a sensação esquisita desaparecesse. Angustiada perdia o controle dos movimentos. Com surpresa horrorizada suas mãos subiam e desciam acariciando seu corpo. Dos lábios carnudos saiam gemidos sussurrantes lascivos e lúdicos. Tinha noção do que se passava, não conseguia deter as mãos, nem a voz. Nisso a senhora ao lado que a olhava de soslaio, se afastou quando ela resolveu tirar a blusa ficando so de sutiã. Nessa altura todos estavam de olhos fixos nela que se contorcia desesperada. Fizeram um círculo a sua volta. Assobiavam e gritavam palavras obscenas. Um coro de voz se sobrepôs num uníssono em tira, tira, tira. Obedecendo ficou só de calcinha. A senhora que havia se afastado gritou: Chamem um guarda! A cena surrealista parecia saído de um filme B. O guarda nos seus noventa quilos apareceu empurrando e pedindo licença. Seus olhos se arregalaram ao ver ela gemendo, se acariciando como se estivesse num palco fazendo strip-tease. Estava diante de uma situação inusitada. Estupefato não sabia o que fazer. Precisava agir. Deu dois passos à frente e esticou a mão. A ponta dos dedos tocou a pele morena suave quando se ouviu um buzinar insistente fazendo com que ela desse um pulo de susto. O noivo a esperava com a porta do carro aberta. |