A COR DO AMOR
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Luís Valise
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As horas passavam como um camelo cansado. Fim de verão. Abafado. O aparelho de ar-condicionado estrebuchava. Oliveira afrouxou de vez o nó da gravata e tirou-a pela cabeça. Pegou o jornal, separou a página de esportes e foi para o banheiro. No caminho passou pela mesa da Marisa, mini-saia, grandes coxas. No banheiro estava mais fresco. Trancou-se no último box, arriou as calças junto com a cueca, sentou-se e abriu o jornal. As notícias batiam em seus olhos blindados, culpa daquelas coxas alvorescentes. Marisa... Marisa... Oliveira alisou uma punheta. Cuidado com a roupa, vai no jornal, Mariiisa, crème de la crème. (Horas antes, na volta do almoço para o escritório, o grupo conversava animado, quando, subitamente, Marisa segurou-o pelo braço, espantada: - Nossa, Oliveira, você tem olhos verdes! - Só agora você reparou? - Claro, nunca tinha te visto sem óculos! - Gostou? - Amei! Eu a-m-o olhos verdes. - Estão às ordens! - Olha que eu aproveito, hein? Se fosse outro não deixava a peteca cair: convidava Marisa prum chopp à tarde. Mas o Oliveira, não. Bem que ele teve essa idéia, mas cadê coragem? Apaixonado em segredo, guardou a mão fechada no bolso, evitando esmurrar a própria cara. Quase um ano de paixão escondida atrás do olhar vira-lata, deixara passar a grande chance. Haveria outra? Pisava em sua sombra cabisbaixa, quando Marisa de novo segurou-o pelo braço, deixando o resto do grupo se adiantar: - O quê você vai fazer hoje? Oliveira pensou por instantes, antes de responder: - Eu tenho que consolidar alguns relatórios de produção, depois... - À noite, Oliveira, à noite! - ... - Vamos tomar um chopp? Quer dizer, "uns"? - ... - Quando você resolver, me avise. Marisa apressou o passo, alcançando o grupo.) Oliveira rasgou o jornal bem rasgadinho, jogou-o no vaso e deu a descarga. Enquanto lavava as mãos, examinava seus olhos tímidos e sonhadores. Lavava o rosto suado, quando teve a idéia. Saiu do banheiro, passou pelas coxas, digo, pela mesa da Marisa: - Marisa, que tal passarmos o sábado na praia? A moça balançou: - Na praia? Só nos dois? - E o sol. - ... - Quando você resolver, me avise. E seguiu para sua mesa, sentindo-se melhor do que nunca. Tivera coragem! Logo, seu telefone tocou. Mal levantou o fone, foi logo ouvindo: - Combinado! Saímos cedo, voltamos à noitinha! E... Oliveira, como você se chama? - Marvel. Marvel de Oliveira. Meu pai era louco por gibis. O resto da semana escorreu como um camelo moribundo. Oliveira ia se preparando aos poucos: num dia protetor solar, no outro sunga nova, depois sandálias. Comia o mínimo necessário, e a barriguinha diminuiu um pouco. De sexta para sábado mal dormiu, e pela manhã fez barba caprichada, deixou o cabelo estrategicamente despenteado. Vestiu a sunga nova, por cima um bermudão, camiseta e sandálias. Olhou-se no espelho, sorriu para os olhos verdes, pegou os óculos escuros e saiu. Defronte ao prédio onde morava Marisa, dentro do carro, sentia o coração descompassado. A porta se abriu e ela surgiu com os cabelos úmidos, mini-blusa deixando a barriga de fora, shorts curtinhos, tamanco, bolsa grande de palha. Entrou no carro, deu um sorriso lindo e dois beijinhos no rosto dele. Oliveira caiu de quatro. Conversaram animados durante a viagem, e do alto da serra avistaram o mar. O céu estava límpido, e o calor ia aumentando à medida em que se aproximavam da praia. Oliveira parou o carro na sombra de uma árvore, e nem se irritou quando um sujeito magro e alto chegou pedindo dez reais pra tomar conta. Deu cinco, e prometeu o resto na volta. A areia estava fofa e ainda não muito quente. Alugaram um guarda-sol e cadeiras. Oliveira estava sentado, passando protetor solar no ombro, quando Marisa tirou a roupa, exibindo um biquíni azul-marinho com filete amarelo nas bordas. As coxas eram tudo aquilo e mais um pouco, e juntavam-se roliças no pequeno delta de pano estofadinho. Ele passava creme pela terceira vez no mesmo ombro, e ela, deitando-se na toalha, pediu pra ele passar loção em suas costas. Costas macias, carne firme, a parte de cima do biquíni desamarrada... Pediram duas batidas, coco pra ela e maracujá pra ele. O calor foi aumentando, resolveram entrar no mar. Foram de mãos dadas. A água estava fria, o bico dos peitos da Marisa cresceram dentro do tecido. Oliveira levou-a mais para o fundo. - Marvel, eu não nado bem. Eu não nado nada. Ele passou o braço em sua cintura: - Segure-se em mim. Quando a água estava acima da cintura, Marisa ficou de frente e passou os braços em volta do pescoço do rapaz. As coxas se tocaram. Oliveira levou uma espécie de choque, sentiu um tremor. O sol bateu em seu rosto num determinado ângulo, e seus olhos ficaram mais verdes. Marisa sentiu um músculo duro roçando suas coxas; segurou a cabeça do Oliveira com as duas mãos e foi aproximando sua boca da dele. Antes do beijo, fez um pedido: - Não feche os olhos, Marvel. E enquanto Oliveira devorava a boca da Marisa, ela devorava seus olhos verdes, verdes, verdes... Ficaram se beijando e se abraçando, sem se importar com olhares de reprovação ou inveja, e mais se beijariam, não fosse a grande onda que surgiu de repente e pegou-os de surpresa, levando-os às cambalhotas para o fundo. Marisa começou a se debater em desespero. A sunga do Oliveira não estava bem apertada, e foi parar nos tornozelos. Enquanto lutava para recuperar a sunga e subir para respirar, Oliveira teve medo de morrer de pau duro. Quando conseguiu tirar a cabeça da água, viu que Marisa jogava braços e pernas para todos os lados, apavorada. Puxou-a pelos braços, e ela se agarrou nele, apavorada, tossindo, e logo começou a chorar. Oliveira abraçou-a, e foi fazendo shhhh, shhhh, até que ela se acalmou. Voltaram para a areia. Oliveira pediu outra rodada de batidas. Quando as bebidas chegaram, eles já estavam rindo da situação. A bebida soltou a língua dele, que contou do seu medo de morrer naquele estado. Ela ficou séria de repente. Olhou nos olhos dele como as mulheres olham quando querem: - Marvel, me leve prum motel. Ela saiu do banheiro enrolada na toalha. Na penumbra, Oliveira esperava deitado na cama larga. Ela soltou a toalha, e deitou-se junto a ele. Não reparou na caixinha sobre o criado-mudo. Foi tão gostoso que ela não notou os olhos do Oliveira, tímidos, sonhadores e castanhos. |