O PENETRA
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O manobrista se assustou ao ver a motocicleta de 125 cilindradas parar em frente ao buffet: tinha o tanque de gasolina amassado, a saída de combustível reparada com Durepoxi, o farol quebrado, e o pneu dianteiro mostrava um tanto de lona. Antônio desceu da moto; ajeitou no corpo o terno verde que tomara emprestado do Manoel da quitanda; deu as chaves da moto ao manobrista; entregou ao porteiro a senha de ingresso à festa que achara na calçada há dois dias. Ao passar pelo umbral da porta do buffet, tropeçou e entrou na festa com as mãos apoiadas no piso de granito, de quatro, como se catasse coquinhos no chão. Ergueu-se sem ligar para a quase queda e muito satisfeito por não ter sido barrado. Entrou na fila de cumprimentos dos noivos. Parabenizou os pais do noivo, os pais da noiva, o noivo e, quando se aproximou da noiva para felicitá-la, tropeçou novamente, esbarrou na recém-casada e levou-a consigo ao chão. Desta vez ele conseguira cair. Houve um certo constrangimento, e pessoas ajudaram os dois a se erguer. Ele saiu dali e parou em frente a um espelho para se recompor; ajeitar os cabelos; pôr a camisa para dentro da calça; abotoar o paletó que Manoel tinha desde 1953, época em que era chofer de ilustres da sociedade. Abotoou dois botões, mas não o terceiro e último, e só não fez isto simplesmente porque faltava aquele botão e não porque era regra de elegância. Formalidades à parte, Antônio foi atrás daquilo que realmente lhe interessava, afinal, fora até ali para, gratuitamente, comer e beber do que tivesse de melhor. Regalou-se de salgados e canapés. Tomou uísque importado misturando-o com refrigerante, e o pai da noiva não se conformava em ver aquilo: um caríssimo vinte nos ser maculado com guaraná. Antônio serviu-se do jantar e depois buscou a mesa de doces. Refestelou-se de guloseimas até que a fivela de seu cinto enganchasse na renda da toalha da mesa, e tudo que nela estivesse viesse abaixo quando ele quis dali se afastar. Percebeu que todos olhavam para ele e pensou que talvez fosse por causa do terno que usava, verde, um tanto fora de moda. Por este motivo e não por outro, ficou constrangido e resolveu ir embora. Ainda pisou sem querer na calda do vestido da noiva enquanto ela andava, fato que rendeu um rasgão na veste da recém-casada. Chegou na portaria e perguntou por sua moto. O manobrista a trouxe empurrando, disse a Antônio que faltara combustível no veículo. O manobrista ainda estendeu a mão sugerindo que queria gorjeta, e Antônio entendeu de outra forma, uma vez que puxou do bolso do paletó três salgados e os pôs na mão do manobrista. - Estes são os mais gostosos - ainda falou antes de sair empurrando sua motocicleta. |