CARAVELAS
Bárbara Helena
 

Uma árvore de flores vermelhas...

....no dia em que a gente se beijou pela primeira vez, há tanto tempo atrás. Tanto que já nem sei se existiu ou inventei aquela cor absurda e a emoção inteira.

O passado é invenção... filme que construímos com o desejo...

Calor do sol, emoção de sentir teu corpo morno contra o meu.. perfume do teu cabelo...

Ao redor de nós as montanhas, uma brisa suave. ... lembra?... e teus olhos onde mergulhei, teus olhos que foram porto e despedida, teus olhos verdes, caravelas... sempre a um passo de partir...

Quando te beijei pela primeira vez, os lábios como pássaros trêmulos sob os meus, o medo, a indecisão... quem poderia imaginar?... depois foi a paixão, temporal, corredeira... pássaros que cantavam no jardim ... poesia e mentira de mãos dadas... o que houve, o que sei, o que lembro, onde estão senão no engano?...

Teus lábios de menina, teus lábios de mulher, cobertos de batom, teus lábios de carmim também são caravelas, são porto só de ida...

E teu corpo que devassei, que descobri, que conquistei, teu corpo de mulher que me deixou. Tua mata fechada, teus seios, tua voz...

Tudo que fez de ti minha lembrança, tênue construção de detalhes, fragmentos que dançam agora para encobrir... para esquecer a partida.. para não dar adeus, senão ao medo.

Lá fora está frio e uma chuva tranqüila cai sobre a terra úmida, como caiu há séculos, como cairá por infinito tempo que não conhecerei.

Mas aqui dentro...calor - no coração é sempre este verão de instantes costurados, tão mentirosos como teu sorriso, teu sorriso de nau, teus dentes perfeitos... caravela... teu sorriso de despedida, nem um único músculo de pena, um freio de piedade, teu sorriso perfeito de desprezo, teu sorriso de adeus.

Hoje não existe mais, sou o amanhã perene que serei e o ontem que escolhi.

Quando vierem me buscar aqui, antes do fim do dia, quando o veneno entrar na minha corrente sanguínea e me levar para o inferno onde te encontrarei, quero ver teus lábios, teu sorriso, teu corpo de menina que afastei do porto, que lacerei da vida. E teus olhos verdes de traição que eu apaguei.

Até o final do dia se abrirão as velas, se fixará o mastro, se cortarão amarras... até o final do dia, meu amor... a nau, embarcação que afundei, oceano de serpentes, nós dois... verdes mares

...caravelas...

 

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