CASA DE MULHER
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Se um homem visitasse a casa de uma mulher, ele veria a sala simples e arrumada, com um sofá sempre a esperar por uma investida ousada do amante; um vaso de violetas sobre uma toalhinha de crochê feita pela avó; um tapete com almofadas em frente à lareira e, comodamente dispostos, o saca-rolhas, as taças e a garrafa: o vinho à espera do calor da lareira, a lareira à espera do inverno, o inverno à espera dos corpos no tapete, do fogo na lareira, do buquê do vinho. Na cozinha uma mesa quente, aguardando a fome do depois, com delícias mornas e leves, com cremes de paixão e tesão, com doces e morangos frescos. No quarto muitos livros sobre a mesa de cabeceira, todos com páginas marcadas, poesias anotadas, e seu nome em uma delas; na cama os lençóis engomados e macios, algodão puro pra não esquentar ou escorregar; travesseiros e travesseirinhos, apropriados para encaixar. Depois do amor ele veria a caixa com tampa semi-aberta, sobre um baú fechado. Nela, fotografias amareladas, algumas com dedicatórias, datas, até rostos recortados - dores do passado que jogamos fora. O primeiro sapatinho dos filhos, anotações sobre suas vidas, fotos de crianças banguelas - idade gostosa que toda mãe quer colecionar! Os dentinhos perdidos na caixinha pequena. Ninguém entende isso - só mãe mesmo. Dentro de nós moram duas: o que uma tem de santa, a outra tem de fêmea vadia, bicho solto. Mulher âmago é dualidade pura, mas sabe dividir o tempo. Há um tempo de ternura, há um tempo de carícias. Só não gostamos é do tempo de amarguras, que sobrevém quando um destes dois se finda - então tecemos esperanças de um novo tempo de delícias. No baú fechado com cadeado, a bagagem da partida. No sótão raramente permitimos visitas: espelhos da juventude, sapatos de bailarina, títulos de livros, nomes dentro de corações sangrentos, a vela da primeira comunhão, o laço de fita de quando cortamos a trança, a caneta da formatura, os tíquetes das viagens, as nuvens de algodão. Se um homem visitasse o âmago de uma mulher, ele veria a simplicidade de seu coração, o amor em seus olhos, os filhos nos seios, a vida em seu ventre, o néctar nos seios, a paixão entre as pernas, o desejo em suas mãos, em sua mente devaneios de um mundo prenhe de paz e vazio de guerras. Se um homem visitasse a mente de uma mulher, teríamos um mundo sem guerras, repleto de deuses e anjos, de poesia e música, Eva completando Adão, Adão nascido do sopro de Eva. |