PENÉLOPES
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Marina W
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O cinismo de Reth, luzinhas vermelhas no teto da sala, posições de ioga, o branco mais branco de Platão. Num caderno de capa rosada: a teoria de Darwin, receita de molho para aves, o endereço de Tyl e um esboço de uma carta para Pinter. Coisas. Desde que estou aqui, a memória me escapa, embaralho as lembranças, confundo datas e nomes. Deito. O horário de visitas se aproxima e hoje pretendo não receber ninguém. Faltam-me roupas adequadas para encontrar Tyl, não quero que ele me veja assim, com esse vestido sem cor, olhos sem pintura, prefiro ficar só ou conversar com a moça de cabelos-cenoura, que me conta com detalhes suas brigas com o marido, caçador de andróides. Às vezes ela fala, fala, mas estou longe, balanço a cabeça concordando e, para não ficar deselegante, digo "é mesmo?". Meu pensamento longe, ela não sabe, meu pensamento em Tyl e na ilha. Que ilha? ela perguntou no domingo quando sem querer eu mencionei a viagem. Ilha nenhuma, invenções da minha cabeça, disse. Ela compreendeu e me perguntou quando vou embora. Disse-lhe que na primeira semana de maio Tyl-Reth virá me buscar, antes que a guerra estoure, falta apenas conseguir os cavalos e algum dinheiro. Pego meu caderno de anotações e torno a escrever tudo que me vem a memória, conforme Pinter aconselhou: teto verde escuro, camisa social rasgada à altura do peito, tiro de festim. Licor de ... (foge-me o nome da fruta), algodão, flores miúdas, Reth a cavalo salvando-me de um incêncio. O que mais? Me dói o corpo esse colchão gelado, pedirei que liguem o aquecedor central, separarei minhas roupas, os chapéus, as cartas. Aguardo maio, com a paciência de uma dama. |