DE PROFUNDIS
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Comigo
me desavim, Sá
de Miranda
Eu procurava fotos dos meus filhos, de quando eram bebês.
Precisava escolher duas bem fofas. Tarefa difícil. Eles eram tão lindos... as fotos seriam mostradas na colação de grau do meu filho do meio e do caçula. Ambos se formaram no ano passado. E ambas as cerimônias aconteceriam nesse mês de março.
Pediam as fotos para colocar no telão. Há quem considere brega. Eu acho lindo. Mostram uma foto de quando eram bebês e outra recente, enquanto o formando participa da solenidade. Mães são tão bobas... Fiquei perdida ali, parada no tempo.
Quanta saudade senti. Fui mexendo, virando, olhando, sentindo. Lembrando de cada momento, de cada progresso dos meus três filhos. Uma enorme ternura me inundou. Naquele momento, eu era a mais feliz das mulheres. (eu, que vivo criticando as mães, que sempre falo do seu amor exagerado, de suas emoções fora de controle e limites) De repente, encontro uma caixinha. Uma caixinha bem guardadinha, que nunca mais vi, desde que meu primeiro filho morreu. Quer dizer... nesses anos todos, vi apenas uma vez. Meu marido guarda muito bem. Não olha e não quer que eu olhe. Como se entre nós existisse um pacto, que nunca existiu, mas que é cumprido. Não olhamos, e até bem pouco tempo sequer falávamos sobre esse assunto tão doloroso. Pois bem: Encontrei a caixinha de fotos do meu primeiro filho, o que se foi. Não pensei duas vezes em romper o pacto imaginário.
Não sei dizer o que senti. Ali, guardadas, as fotos, a lembrancinha do nascimento, a lembrancinha do batizado.
Realmente não sei o que senti.
Foi uma confusão de coisas - dor, perda, muito amor, impotência, gratidão até. O que ele seria hoje, meu Deus?
Não sei, mas sei que devo reverenciar tudo o que tenho hoje, principalmente a saúde, inteligência e integridade dos meus três filhos, que ficaram comigo.
Deveria haver uma lei, para que NUNCA, em hipótese alguma, os filhos se fossem antes dos pais.
Não, não estou triste.
Estou apenas pensando, refletindo. Tenho um nó na garganta, mas não é tristeza. É um pensar constante nessas três pessoas que me impulsionam a viver: Bruno, Felipe e Caio.
Há coisas que jamais compreenderemos.
A morte, a maternidade e a mulher. |