O JOGO DOS COPOS
(copos e corpos) |
O sol era tão pequeno no céu escuro que parecia uma noz avermelhada. Um vento frio varria as ruínas do que já fora uma cidade. Uma figura prateada movia-se na poeira desolada, deixando pegadas irregulares. Mesmo sendo um andróide de titânio, os milênios haviam exercido erosão nas peças de Autolikos. as disfunções nas articulações inferiores o obrigaram a vir àquele local. A casa dos copos. Autolikos atravessou a eclusa tripla que mantinha as instalações internas a salvo da erosão. Já havia cinco robôs lá dentro. - Seja bem vindo - convidou o mestre da casa, um velho barrobô que já perdera três de seus oito braços de fibra de carbono - sou Ethil. Creio que já temos convidados suficientes para começar o jogo. De fato, o jogo dos copos só podia começar com cinco jogadores, pois era o número de braços que restaram ao Barrobô. - Esta espelunca já foi um estabelecimento de classe - informou o mestre da casa, programado para puxar conversa - mas isso foi há muito tempo, quando havia seres humanos no planeta Terra. - Isso foi há um bilhão, dois milhões e seiscentos e três anos atrás - esclareceu um robô delgado, dotado de uma imensa cúpula craniana - foi na época em que ministrei minha última aula. O robô professor arrastou-se, valendo de sua única perna intacta, para um quadro de fórmica próximo à mesa, onde anotou cinco nomes, apontando um a um. - Meu nome é Professor Siodmak. Aquele com sensores ópticos no corpo todo é Amurab171, dotado da maior base de jurisprudências da história da cibernética. - Posso soltar qualquer criminoso em qualquer língua - esclareceu Amurab171. - Não tão rápido quanto eu posso prender - esclareceu um robô imenso e encorpado, cuja fuselagem escura lembrava a armadura de um samurai de tempos perdidos. - Nosso amigo truculento é Newton++ - continuou Siodmak - um antigo robô policial que não se conforma com o fim da criminalidade, que coincidiu com a extinção dos humanos. - Não estou certo de que os crimes tenham acabado - obtemperou Newton++ - esse recém chegado não é outro que não Autolikos, autômato que fazia o trabalho sujo para um famoso criminoso de nome... de nome... - Acho que ele esqueceu meu antigo mestre - observou Autolikos - ele sim era um excelente criminoso. - O banco de memórias do policial deve estar corrompido - explicou Siodmak. - Essa é a genuína queima de arquivo - ironizou Amurab171 - acontece mais na polícia do que em qualquer outro lugar. Newton++ ergueu sua meia tonelada de fibra de carbono recoberta de kevlar e dirigiu-se para Amurab171, ameaçadoramente. - Nossos processos são transparentes e podem ser consultados pelo público diretamente pela Internet! - De que adianta poderem ser consultados se são transparentes? - rebateu Amurab171. O barrobô acionou um campo eletromagnético que obrigou o policial a sentar. - Basta! Não quero brigas em meu bar. Já estamos esperando há 240 anos para fechar o número de cinco, não queremos que voltem a ser quatro! - Senhor Siodmak - observou Autolikos - não fui apresentado ao quinto robô. - Nem vai - o policial intercedeu - não sabemos seu nome e ele não pode falar. - Se não pode falar, com certeza era um robô contador - observou Amurab171. - Um robô mudo é o contador dos sonhos dos meliantes - irritou-se Newton++ - e dos advogados, se é que existe alguma diferença.. - Podemos começar? - interrompeu polidamente Autolikos - temo que meu sistema hidráulico entre em colapso a qualquer momento. O barrobô pousou cinco copos sobre a mesa. - As regras do jogo são simples: esconderei uma bolinha dentro de um copo, misturarei tudo e vocês tentarão adivinhar onde ela está. Quem acertar receberá cinco pontos. Dez rodadas sem ganhar nada, perderá cinco pontos. O primeiro que chegar a cem poderá escolher uma peça do corpo de quem estiver perdendo. A peça é entregue e o jogo recomeça até que o perdedor máximo não esteja mais funcional. - Não seria mais fácil se fizéssemos um jogo realmente aleatório, como uma loteria? - arriscou Autolikos. - Somos um produto dos seres humanos - explicou o Professor Siodmak - não existe aleatoriedade real nas ações humanas. - Compreendo - aceitou Autolikos - não sei se parece justo. Newton++ levantou-se e deu um tapa rápido nas costas de Amurab171, que desarmou 90% de seus sensores ocultos. - Agora é mais justo - concluiu o policial. - Sinto muito estar participando de um jogo canibalista desta natureza - lamentou Siodmak - mas a última fábrica de peças de reposição virou pó há um bilhão e trinta anos. Só nos restamos uns aos outros. - E receio que um dia não nos seremos suficientes - complementou Autolikos. O jogo começou quando os copos foram virados para baixo, ocultando a bolinha dos sensores positrônicos. |