QUEM É QUE QUER?
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Eternidade, Deus que me perdoe, cansa. Aqui estou na eterna dança das horas, minutos, segundos e frações irrisórias de tempo (mas que fazem tanta diferença no saldo final) há tanto tempo que perdi a conta. O balé funesto que caminha e caminha e caminha à minha revelia, eu que vendi a alma para me manter salvo da morte, e me descobri morto ainda em vida. Eu que quis tanto fugir da decomposição certa e absoluta, e hoje imploro pelo fim - que não há de me chegar nunca, eu sei. Trapaceei no jogo do tempo e eis-me, todos os meus entes queridos originais há séculos e séculos sucumbidos, minhas novas paixões se esvaindo aos poucos, no conta-gotas do tempo, da morte, do ciclo comum a todos. Menos a mim. Vi dores que não queria e horrores de que não carecia, vi tanta coisa que meus olhos cansaram-se e doem constantemente, e no entanto não param de ver. Fui condenado a manter minha saúde intacta, meu corpo ainda belo e por isso dôo dia após dia, meus amores, meus amores, meus amores... Se eu soubesse o que me esperava, não pediria sandices... Como numa maldição, cada amor que me surge é uma chaga interna que arderá infinitamente. Como num pesadelo, não feneço, não há previsão do descanso final. Não há o que me liberte. |