MINHA LEMBRANÇA |
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Prasanta Flores, Bentinho chorando se foi. Os dinossauros de laboratório causaram pânico, agora estão presos em um zoológico especial. O clima deveras mudou, e o verão abriga altas temperaturas. O número de sem-teto no país aumentou, a conta bancária de Prasanta engordou, mas ela não, ela faz sempre dieta e...corre. No apartamentozão de Prasanta há polivolumes multidimensionais. É bom contemplar algo que não foi feito pela natureza. Prasanta, outro dia, fez uma festa somente para surfistas. Foi um sucesso. O tema da festa? Hawai 5.0. Tema esse que não foi muito bem recebido talvez por causa das tsunâmis. Prasanta cristalizou por Edgar, um executivo à beira da bancarrota que morou na Suiça. Um cara-de-pau quadragenário que sibila. A musa deu-lhe casa, comida e carinho. Muitos homens invejam-no. Que casal feliz, Deus me perdoe! Santa Edwiges faça com que perdoem as minhas dívidas, dê-me capacidade para pagá-las. Prasanta é legal, apieda-se às minhas fraquezas, mas há muita gente que não vai com a cara dela. Encontrei-a na praia na quarta, fomos jantar em Santos (cidade chique!), no Costeira's, um restaurante com bons preços e que permite a entrada de gente mal-vestida.
Deus salve a rainha! Prasanta foi boazinha me levando para jantar. Fomos
no seu lindo carro, um conversível. Nem sei de que marca é.
Acho que as pessoas estão aprendendo a gostarem de mim. Mas sei
que é difícil, sou do tipo repugnante, do tipo que...escreve
textos na areia. Durmo na praia, mas tenho Prasanta foi capa de revista no mês passado. Deve ter ganhado uma pequena fortuna. "Meu pequenino dinossauro de estimação ajudou-me a ser primitiva e primitivismo é moderno", diz ela na capa. Nem folheei a revista porque o cara da banca faz logo um xôôôôôôôôô quando me vê. Seu Edgar pretende ir pra Europa, ele crê que os europeus são pessoas humanas, mais até do que nós do quarto mundo. Claro que Prasanta irá junto com o amado. Já me imaginei indo para Europa, todo mundo vai querer ir também, vai haver uma espécie de imigração-boi-vai-atrás. Os haveres do pobre aqui são a fome e a...Prasanta tem compaixão da gente porque já foi um sem-teto. Amo elinha. Dizem que falar amo ela, por exemplo, é falta de cultura. Paciência! Prasanta Flores, Bentinho chorando se foi. E enquanto Chorando se Foi, de Kaoma, é dedilhada por um turista francês que curte a praia, posso divisar a silhueta de Prasanta no apartamento dela. Anoitece. O lamento dos dinossauros, uivos aterradores, é ouvido pela cidade inteira. Os imensos estão no zoológico, é de lá que vêm esses uivos. Há lamentos e badalejar de sinos...concentro-me no barulho das ondas da Enseada, concentro-me no apito dos navios, imito o apito dos navios. Sabe que eu já quis ser até artista, cantor, essas coisas? Adoro artistas. Prasanta bem dizer é uma artista, os emergentes tornaram-se artistas porque são poucos e admirados. Ontem fui até Santos de ferry boat. Fui passear pelo cais, fui também procurar emprego. Claro que já pensei em entrar em um navio, em pular aquela cerca famosa e gigante como já vi muitos fazendo. Fora do poço há luz? Agora há câes por ali, cães ferozes. É arriscado; os estrangeiros jogam-nos no mar caso não gostem da gente. Não sei nadar. E esse negócio de descascar batatas, isso não existe a não ser no cinema americano da década de quarenta. Ah, preciso ter juízo, é isso? Minha falta de senso consciente é que é juízo para eles, vai entender. Prasanta Flores, Bentinho chorando se foi. Há um abismo no cais, e como é que o mar pode ser a morte se evoca em mim a vida? Na prática o mar já não é mais a morte. Vou pegar carona em alguma estrela que foge de um buraco negro. Ah, Zephir, leve-me para dar uma volta até Taj Mahal. A noite ainda é uma criança, mas não sei pra onde ir, não sei o que fazer, não sei como lutar nem reiniciar aquilo que chamo de luta. E além do mais, se Zephir entrar em um quartinho onde por vezes durmo, como irá decolar? Muitas coisas são eternas na minha lembrança, a casa onde passei minha adolescência, por exemplo. Eu sempre que posso vou ao cais, tento meditar ali com alguma postura, com postura zen. Já consegui ficar passeando na beira com a permissão dos homens. Nesse dia eu trajava camiseta azul-marinho e calça jeans vermelha. Agachei-me para bulir a água do mar enquanto em alguma parte rolava um som, I Muvrini, se não me engano. Prasanta anda de um lado para o outro. Está mui inquieta. Agora saiu no terraço. Sorriu, sabe que eu a observo. Deve estar com visita senão me chamaria. Acho que é Edgar, que homem fortão! Ele é daquele tipo loiro-acinzentado. Não gosto de ociosidade, dá-me tédio. Edgar sim é homem que vale a pena para a sociedade. Vale algo!, dizem, vale algo! Ele anda com cada terno!; tem até o preto com listrinhas, aquele dos príncipes-atores. Vou dormir na praia novamente. A dona do quartinho foi viajar para o norte e não quero ir para o albergue. Lá há pobre apontando mazela de pobre, não me é fácil escapulir dessa vibração. Continuo falando o que não devo, ofendendo as pessoas que são sempre supersensíveis ou melindrosas; se eu fosse uma abelha, estaria mortinho. Abelhas são camicases. Talvez eu corra um pouco pela praia, quero ficar adrenalinado... Pela manhã, estive em uma praça. Mãe e filha davam pão duro aos pombos. --- Não quelo ir embola! --- Vamos, senão as pombas irão te comer. De tarde esperei Prasanta e ela não apareceu. É, na sexta-feira ela não sói correr. Pena. Porém esperei, esperei e esperei. Acho que devo ter feito muita gente esperar, nesta vida ou em outras. Outra vida? É, tenho tripla personalidade. Por favor, não tenham tanta cumplicidade sobre mim. O pobre sempre advinha o revertério do outro pobre ( não consigo sair dessa vibração). Mas talvez amanhã me chamem para trabalhar, preenchi uma ficha num barzinho do cais. Estão precisando de bartenders. Eu disse-lhes que sabia virar a garrafa. Mentira. "Grande parte da arte de bem falar, consiste em saber mentir com graça", já dizia meu Erasmo. Pra vendas não ainda não sei se sirvo...e depois de tantos anos! Uns dizem que sou tímido e muito simplista, outros para não ligar para o que dizem. Está tudo certo, não existe indiferença por parte das pessoas, existe talvez falta de lucidez da minha parte. No passado diziam-me "Ah, se a Santa Maria Madalena te perdoasse!", e eu ficava pedindo o perdão dela. Mas depois pensei: "Ué, as pessoas que me disseram isso obviamente não têm nenhum pecado, aí delas se tiverem..." Mas era brincadeira, é claro. E as pessoas não são indiferentes porque senão seriam violentas.
Pra quem sabe voltar no tempo, Jesus Pregado na Cruz é filme, um
velho filme muito assistido. |
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