DE CORPO E COPOS
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As garrafas vazias já se juntavam sobre a mesa cambaia do boteco. Juarez gorgolejava. Falava sozinho, murmurava, gemia ... Filha da puta... Marinete estava lhe pondo chifres! Disso não podia fugir, fingir que não era com ele. Estava na cara. Só idiota não via que ela estava mudando. Antes era toda atenta, o dia todo em volta dele,servindo aqui e ali, cama e mesa, o feijão especial, temperado ao seu gosto, as camisas impecáveis, passadas a ferro com carinho. A noite então nem se fala, dor de cabeça não era com ela. Bastava ele dar uma fungada e ela se abria toda, rio-mulher, correndo ao seu encontro, mel nas profundezas. Gemia e gritava como ele gostava e se ele quisesse mais não se fazia de difícil. Ele mandava e ela fazia. De uns tempos para cá estava diferente. Andava distraída. Quando ele chegava, ao fim do dia, o sorriso dela lhe parecia um pouco falso, como se não estivesse a vontade. Isso quando estava em casa, por que na maioria das vezes ele chegava e nada dela.... Filha da puta...Tinha sempre uma história na ponta da língua. Hoje tinha se atrasado no trânsito, ontem foi o supermercado. E quando ele ia para a cama ela enrolava, sempre tinha ainda alguma coisa por fazer.... Filha da puta... Devia ser o vizinho. Pensavam que ele era idiota. Tinha percebido o telefonema dele e como ela ficou aflita. De olho viu quando ela anotou alguma coisa, um endereço talvez. A vagabunda iria se encontrar com amante e o corno era ele .... vadia... O garçom , já preocupado , o aconselhou... Vai pra casa doutor... já bebeu demais... Ele nem ouviu já enfezado, falando sozinho... Vou meter uma bala na cabeça dele.... em mim é que não põe cornos...e acariciava o revólver guardado na cintura. Na delegacia os colegas diziam que ele estava estranho. Onde o policial atento? Eles brincam com fogo...mais um, menos um não me faz a menor diferença... E pediu outra garrafa. Matava bandido e matava doutor também ...pouco me importa se é importante ou não ... que não me ponha cornos ... E ficava imaginando Marinete gemendo para o outro... *****
Marinete suspirou. O vizinho era gentil. Vinha sendo atencioso desde que se conheceram. E ela confiava nele. Todas as tardes ele a recebia no consultório. Sempre aconselhando... Diga a Juarez , Marinete, ele vai entender... A hora de contar a Juarez tinha chegado. Ela sabia que ele iria sofrer. Conhecia bem o marido, não ia se conformar com uma separação. Fechou os olhos imaginando a cena. Tanto tempo! Pobre Juarez... cinco anos de casamento...
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O garçom já estava preocupado. Juarez era cliente antigo, sempre estava por ali, dava uma proteção ao bar a freqüência da policia. Mas hoje estava transtornado. Bebera demais e sozinho. Grunhia ameaçador. Viu quando se levantou cambaleando e se dirigiu a saída. Mato o canalha... sem um ai...Engatou a marcha e saiu rangendo os pneus. Estava completamente bêbado e a arma lhe queimando o corpo. Depois haveria de se perguntar como conseguira chegar até o prédio onde o outro trabalhava.. Estacionou o carro ao meio fio e respirou fundo. Foi quando viu Marinete saindo apressada, cabisbaixa, dando até logo ao porteiro, já intima da casa....Cara de culpada ....a filha da puta... Enquanto ela sumia na esquina ele desceu. Na porta foi sem perguntas, afinal o uniforme impunha respeito. O nome do calhorda estava lá, quarto andar, fulano de tal, médico. Entrou sem bater, fim de dia o doutor já não atendia mais. Estava sozinho. Olhou surpreso mas não teve tempo de esboçar um sorriso. A bala lhe perfurou a testa. *****
Marinete preparou o jantar. Já não podia esconder a verdade de Juarez. Não sabia mais fingir e se sentia enfraquecer a cada dia. O doutor tinha razão. Era inevitável e ele sabia o que dizia, era sua especialidade. Tinha sido gentil, o mais que podia. Mas nada nesse mundo poderia alterar o diagnostico. O câncer estava galopante, nem cirurgia resolveria mais. |