DE CORPO E COPOS
Tatiana Alves
 

O corpo jazia, inerte, em meio aos copos espalhados no aposento. Cálices-testemunho de um amor também moribundo. Ou, quem sabe, natimorto. O copo vazio vazava esperanças, ecoando a lembrança amarga de um remédio que se sabe veneno, mas que ilude os incautos. Sangrias jamais estancadas, no olhar das sanguessugas que acenam sua vampiridade. Bebera seu derradeiro gole, erguendo a taça, num brinde a um interlocutor inexistente. Estalara a língua, no gosto acridoce das utopias-serpentes que acalentara e que agora lhe mordiam o calcanhar. Não matara a cobra, nem tampouco havia a quem mostrar o pau, como se diz na gíria, mas o copo meio cheio - ou seria meio vazio? - apresentava os vestígios da saliva que o veneno começava a produzir. Iria embora, não para Pasárgada, pois não queria ser amigo do rei, mas o plebeu que lhe usurpa o trono. Não iria para Minas, tampouco. E agora, José?

Riu convulsivamente, numa histeria que terminou em choro. Os copos pareciam acenar-lhe, numa grotesca e surreal coreografia. Salomés, pensou, Herodias que seduzem e levam à perdição. Também não haveria mais dança. Na verdade, dançara a vida inteira.

O corpo jazia, inerte, inerme, em meio aos copos espalhados no aposento.

 
 

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