DE CORPO & COPOS
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"É
crua a vida. Alça de tripa e metal. Sim Hilda, a vida é líquida. Mas não um líquido qualquer. É um coquetel. Às vezes doce, às vezes brüt, como um champanhe. Geralmente, porém, amargamaro como bile. Que tem de ser sorvida até a última gota, como o fel com que deram de beber ao Homem da cruz. Embebido numa esponja. Desnecessário copo. Seu corpo exalava os últimos suspiros. Há gente que morre de fome. Há pessoas que morrem de sede. Mas a tragédia não pára por aí. Porque há as que sucumbem no afã de saciar uma sede diferente. Que nunca acaba. Não é como a sede de alguém perdido no deserto. Pois esta pode ser mitigada quando o de beber é encontrado. É uma secura tão terrível, que quanto mais se bebe, mais aumenta. Não importa o copo. Tampouco importa o líquido. Há os que buscam, desesperadamente, os que são produzidos nas pradarias da Escócia. E os bebem, de joelhos, em grossos copos de cristal facetado. Enquanto os seus corpos tremem de prazer. Ou de delirium. Há os que se contentam com o trivial simples. E há também aqueles que sorvem o que tiver. Onde estiverem. Em copos de plástico ou de papel. Ou até mesmo sem copo algum. Contanto que seus corpos se encharquem e se contentem com a ilusão de uma efêmera saciedade. Corpo e copos não têm importância alguma para quem sente essa sede. Há os que bordejam pelas vielas na ânsia de encontrar aberta a sede daquilo que cede o milagroso fluido que cessará a sede. Há outros a conduzir máquinas desgarradas. Com a mesma ânsia dos cambaleantes sedentos, pensando ser diferentes. E são. Mas não no sentido que imaginam. São diferentes porque enquanto os primeiros apenas se matam, estes se matam e matam sem querer querendo. Sim, Hilda. Você tem toda razão: a vida é líquida. Setenta e cinco por cento dos nossos corpos são água. Então, não só a vida é líquida como o corpo é água. Mas há outra espécie de líquido que liquida a vida. E esse líquido está liquidando corpos. Com copos ou sem copos. Pois há muitos que bebem no gargalo... |