FORMAS
(2ª parte)
Eduardo Prearo
 
 

Magno nunca mais foi o mesmo depois do falecimento de Maria das Dores. Todavia, ultimamente anda mais disposto. A novíssima empregada, Liliana, é espanhola e unilíngue, mas entende bem o português. Mora na aldeia, tem vinte e cinco anos, cabelos castanho-claros, lábios carnudos, 1.78, sobrancelhas superfinas e desgosta de todo mundo, talvez não goste nem de si mesma. De tardezinha, após o serviço, antes de partir, senta-se em uma poltrona confortável e ora um terço. Hoje é dia dos mistérios gososos. Liliana imagina Maria chegando alegre à casa de Isabel. Ultrassonografia, ventres iluminados. A empregada pára nesse mistério, está cansada. Talvez mais tarde continue, medite sobre a manjedoura, na praia, sob todas aquelas estrelas! Liliana levanta-se, vai à cozinha, tira o guardanapo de sobre o copo, prende a respiração e ingeri o líquido espesso com dificuldade. Que ápoto! Põe o copo de volta à pia, dá uma olhada em toda cozinha e saí. Esse bálsamo que Liliana toma todos os dias para os nervos mais parece um eflúvio de tão ruim o gosto. Arghhhh... O mar. Mar agitado e assaltos noturnos. É preciso partir antes que escureça. O senhor Magno parece um assaltante, pensa Liliana, em segundos. E eu, uma amaldiçoada, completa para si mesma. O senhor Magno voltará antes da meia-noite. Liliana tranca tudo, dá um tchau a Tubarão, um são bernardo velhusco, e saí correndo pela praia deserta, deserta. Pôr-de-sol mel. O chão de areia molhada é espelho. O corpo de Liliana vai se tornando cada vez mais diminuto para Tubarão, que parece estar impaciente.

Magno chega em casa meia-noite em ponto. Põe um CD new age mas preferiria ter posto um Red Hot Chili Peppers, joga-se no sofazão ferrugem e respira. Aquelas bolhinhas que se soltam continuamente do interior do aquário são de repente estrelas e corações. Que magnífico, pensa Magno, que magnífico. Abre um livro e uma poesia, uma linda poesia se torna bailarina...

 
A
linda
Sandrinha
bo i ca
lua
e nua e
scarlat
a
lua
lua
as íris outras luas
ficam suspensas
vão
vão
subindo
oh o oh
o oh ooo oh
oo oh oooo oh
ooo oh ooooo oh
o oh ooo oh
o oh oo oh
oh
ooo
 
Magno acende um cigarro e lembra de Das Dores, que mulher esquisita. Bling-blong. A campânula, meus deuses! Magno levanta-se e abre a porta com violência. Tubarão entra correndo com as hastes de algumas flores entre os dentes. Rosas azuis. Japonesas. Há um bilhete no chão do terracinho dizendo Magno, te amo.

O telefona toca. Má notícia. Liliana está morta. Putz, outra empregada morta! Maldição! Se bem que havia nelas alguma coisa imunda, elas eram meio porquinhas, vai. Magno ergue as sobrancelhas. No horizonte alguns navios. Ele observa um pouco a sala e sai, despindo-se a caminho do mar, a caminho das ondas...
 

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