O BÚLGARO
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Quinta-feira, happy hour. O barzinho metido à botequim está lotado. Marcão aguarda dois amigos; chegou cedo, conseguiu uma mesa. Toma um chopinho, olha em volta enquanto espera. A loirinha da outra mesa olha para ele. Duas outras loirinhas da mesma mesa olham pra ele. Seu peito estufa como o de um pombo. Ele se anima, retribui os olhares. Por fim descobre que elas estavam olhando para o garçom, atrás dele. Marcão disfarça, toma um golinho do chope, nada dos amigos. Ele chama o garçom e outro chope. As pessoas em volta olham com cobiça para as duas cadeiras vazias em sua mesa. Ele abre as pernas e coloca um pé em cada cadeira. Pega mal. Coloca o celular sobre uma e seu casaco sobre a outra. O garçom volta com o chope. Por segundos, Marcão tem certeza de que o garçom vai acariciar a sua mão. Ao invés disso, ele deixa cair um pedaço de papel, um guardanapo dobrado. Marcão se anima, "oba, um torpedo". Abre o guardanapo e lê "Plano B confirmado: mate o búlgaro". Ele fecha o bilhete rapidamente. Olha em volta, deve ser brincadeira dos seus amigos. Não é, eles nem chegaram. Tudo parece normal, as pessoas bebem e conversam animadamente. 300 ml de chope descem por sua garganta. Precisa ler o bilhete de novo, mas tem medo. Resolve ir ao banheiro e correr o risco de perder a sua mesa. Pra garantir a vaga, pede 6 chopes e uma porção de mandioquinha frita. Enquanto espera pelos amigos, pela mandioca, ou pelo que chegar primeiro, olha em volta tentando adivinhar quem lhe mandou o bilhete. O garçom traz o pedido. Ele se levanta rapidamente e vai ao banheiro. Se tranca no reservado, senta no vaso e abre o bilhete: "Plano B confirmado: mate o búlgaro". Ele pensa, se o plano B é matar o coitado, imagine então o plano A. O que poderia ser: torture o búlgaro? Corte o búlgaro em pedacinhos? CPI no búlgaro? Ele teme por sua vida. Faz xixi e volta para a mesa. Seu lugar ainda está vago, mais alguém roubou algumas de suas mandioquinhas. O celular toca, ele salta na cadeira e atende. Seus amigos estão presos no escritório, fica para outro dia. E agora? Chama o garçom, toma coragem e pergunta "Você sabe quem me mandou aquele torpedo?". O garçom responde que foi um anão. "Anão, mas eu não vi nenhum". Era um anão, responde o garçom. Agora só lhe resta beber os seis chopes, um atrás do outro. Levanta o copo. A bolacha levanta junto, grudada no copo. Embaixo dela, outro bilhete. Olha em volta, disfarça, afasta a cadeira, apóia o bilhete em seu colo e lê: "O búlgaro está morto. Mate o anão". Ah, não, pensa ele. Só pode ser gozação. O oitavo chope lhe enche de coragem. "Garçom, por favor, mais seis chopes e um anão". O garçom sorri enigmático. Ele se levanta, estica o pescoço, mas não vê nenhum anão. Sobe na cadeira, sobe na mesa. Desce porque o garçom chegou com mais seis chopes. "Onde está o anão?", pergunta ele. O garçom lhe dá um tapinha nas costas. Arma um plano. Será o último cliente a sair do bar. As duas cadeiras da sua mesa sumiram, junto com o seu casaco e o celular. Dane-se, pensa ele. O que são meros objetos de consumo perto de um búlgaro morto e um anão prestes a morrer? Por falar nisso, onde está o corpo do Búlgaro? Resolve não pedir o petisquinho de filé, nunca se sabe. Mas precisa comer alguma coisa. Pega o menu e acha outro bilhete: "O anão está morto. Mate o garçom". Matar o garçom? O anão está morto? Será que ele sentou em cima do anão? Se levanta, não acha nenhum corpo. Ainda de pé, levanta seu 30º chope e faz um brinde ao anão. Ninguém brinda com ele. É isso, todos fazem parte de um complô. Quer saber? Também vai mandar um bilhete. Pega um guardanapo, rabisca algumas frases. Nada lhe vem à cabeça. Muda de idéia, homem que é homem fala na cara, não manda recados. Levanta, sobe na mesa e berra: - Tem um anão e um búlgaro mortos neste bar. Após um segundo de silêncio, as lorinhas gritam histéricas. - E tem mais: eu vou matar esse garçom! Todos acabam na delegacia: o Marcão, o garçom, as loirinhas e o resto dos clientes. A maioria testemunhou a favor do réu. Parece que o garçom roubou na conta de todo mundo. Do búlgaro e do anão, ninguém nunca ouviu falar. |