ÀS PORTAS DO CÉU
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- Conte tua história, meu jovem. - Minha história? - Sim, sua história - disse, com toda calma. - Para entrar no Paraíso, precisas contar como morreste. - É?! Por quê? - Porque sim, oras! São as regras. Queres entrar ou não? - Acho que sim. - Então? Olhou ainda com alguma desconfiança para o senhor de barbas brancas, sentado numa espécie de trono de mármore ou de alguma pedra desconhecida. Analisou suas opções, o que foi bastante rápido, afinal, se não contasse a história, teria que ir para o purgatório ou mesmo para o inferno, e isso ele não queria de jeito nenhum. - Sabe o que é, Seu... - Pedro, meu jovem. - Então, seu Pedro... É que o que aconteceu... Bom, é meio embaraçoso. - Não há do que ter vergonha, conte-me tua história. Resignado, começou: - Hoje estava tendo uma demonstração de acrobacias aéreas na praça, sabe? Aviões fazendo piruetas e aquela coisa toda, soltando fumaça colorida, um monte de gente assistindo e aplaudindo, uma verdadeira festa. - Eu imagino, deve ter sido interessante. - O senhor não sabe da missa metade. Quero dizer... Ai, o senhor entendeu. - Refez-se da gafe e continuou a história: - Enfim, de repente aconteceu uma coisa que não estava nos planos. Do alto do trono, via-se no rosto do ancião a expressão de expectativa. Não disse palavra, mas era clara a ansiedade pela revelação do suspense. - O avião... Bom, o avião começou a se desfazer no ar, simplesmente começou a se desmantelar! - Viu o olhar espantado do interlocutor e, sentindo que seu lugar no Paraíso estava garantido, continuou, mais entusiasmado: - O senhor precisava ter visto, as asas voando prum lado, a cauda caindo no meio da lagoa... - E tu caíste com o avião, pobre piloto? É mesmo um acontecimento trági- - Não, eu não caí. Eu não era o piloto, ele se ejetou e conseguiu escapar. O velho Pedro perdeu a paciência: - Rapaz! Eu pedi que me contasses a história da tua morte, não um fim de semana no parque ou uma tragédia quase acontecida! Acho que tu mereces o inferno, sem escala no purgatório. - Não, seu Pedro, o senhor não entendeu, eu... - Sem mas, podes sair. Escoltado por anjos com espadas de fogo, gritou: - A roda, seu Pedro, a roda! - Como é? - Pedro perguntou, parando os anjos-guarda a um sinal e chamando o jovem de volta. - A roda do avião - ele explicou, ainda meio assustado. - Caiu na minha cabeça. Os anjos seguraram um riso. Pedro olhou com dúvida. - Como pode? - Não sei, seu Pedro, juro que não sei. Deus quis que fosse minha hora, que se há de fazer? - Deus, não é? - murmurou consigo próprio. - Podes entrar então. **** Um minuto depois, foi ter com o Chefe: - Roda de avião na cabeça do pobre coitado? Não estás exagerando um pouco nessas peças que pregas nos homens? Deus, com os olhos vidrados numa nuvem, assistindo através dela, simultaneamente, bilhões de canais que contavam a vida de cada pessoa na Terra, explicou: - Peças, não, Pedro: fatalidades, fatalidades... |