O GUERREIRO E A FEITICEIRA
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Ele era um guerreiro. Não desses fortes, másculos, agressivos... Ao contrário, seu olhar era dotado de uma doçura raramente encontrada em espécimes daquela casta. Ao mesmo tempo, no entanto, possuía uma virilidade quase absoluta, como se fosse o mais autêntico dos representantes masculinos da guerra e da vitória. Movido a conquistas e desafios, seu olhar convidava, tragava, fascinava... A firmeza de suas mãos e coxas era quase ofensiva, numa terra repleta de imperfeições. Era uma viva combinação de candura e malícia. Um convite ao combate. Ela era uma bruxa. Não daquelas de Walt Disney, malévolas e horrendas, ainda que a ignorância das pessoas a apontasse como tal. Ao contrário, talvez o maior de seus feitiços tivesse sido involuntário: o modo com que ela desarmava o guerreiro, mostrando a inutilidade de seu escudo. Ela mesma, de resto arredia como os gatos que a acompanhavam, era agora um eterno brinde à vida. Acostumada a ouvir a voz cósmica e a lidar com os mistérios do universo, dessa vez tapara deliberadamente os ouvidos para as advertências que a pudessem afastar de seu guerreiro. Cada vez mais encantada, parecia vítima de um feitiço para o qual não havia antídoto possível. Nem o mais potente de seus filtros de amor despertaria o sentimento avassalador que dela se apossava ao mirar aquele homem. Habituado a batalhas sangrentas e a duelos onde sua força física era necessária, ele não percebeu que fora traído pelo próprio coração, acolhendo e deixando-se tomar por inteiro por uma mulher que conversava com cristais e dançava mesmo quando não havia música. A temida bruxa da floresta parecia agora ainda mais forte. O amor, longe de torná-la vulnerável, trouxera-lhe um viço como há muito não se via. Mesmo aqueles que se amedrontavam diante do mistério da criatura que lhes perscrutava a alma, se aperceberam do absoluto encantamento que lhe saltava dos olhos. A luta entre o guerreiro e a feiticeira durou muito tempo, e parecia que nunca mais teria fim. Ele, educado na mais rígida e ortodoxa doutrina, não acreditava em nada que pertencia ao mundo da feiticeira. Ela, criada para ser independente e irreverente, jamais se subjugaria a um guerreiro solar. Mas a luta que ali se travou teve um quê de insólito: o audaz guerreiro lutava agora contra seus sentimentos, enfraquecido por tentar silenciar o cerne de sua valentia. Ela, com a sabedoria das águas, acostumada às fases da lua, ciente dos ciclos da terra e da vida, soube desde o início que aquele guerreiro fazia parte de seu caminho. Ainda que ela saísse da estrada, cedo ou tarde seu rumo a ele conduziria. E a doce feiticeira, que sempre condenara a guerra, agora lutava com todas as suas forças pelo coração do nobre guerreiro. E tantas foram as luas crescentes, que o sentimento cresceu. E tantas foram as luas cheias, que ele se deixou iluminar. E tantas foram as luas minguantes, que a resistência dele começou a enfraquecer. E hoje a lua nova presencia uma nova e inusitada união: espada e caldeirão descansam, harmoniosamente, a um canto da cabana da floresta. |