...ALGUM TEMPO DEPOIS
Ro Druhens
 

Voltei, Maria.

Vi da vida, a vida quase. Vi do mundo, a noite clara. Vi da tarde, os temporais e voltei, Maria.

Vi abraços mornos, ternos, esperanças, eu diria. Vi das bocas, as palavras. Vi dos gestos, o adeus.

Maria, voltei.

Atravessei travessas, fiz cruzadas, cruzei rios, becos, vales, vacilei na encruzilhada, mas voltei, Maria.

Pela luz do seu olhar, fogo fátuo na neblina. Pela sombra dos seus gestos, flor nascida no orvalho. E o calor do seu regaço, berço frágil dos meus sonhos, voltei, Maria.

Fiz distância dos abraços que meus braços esqueceram. Fiz passado de outros corpos que meus braços acolheram. Fiz meu norte da saudade e voltei.

Suas tranças, seu cabelo, negro manto da nudez, cobertor do meu depois. Seu calor, os seus gemidos, melodia em tom maior no ardor do meu durante.Suas mãos, seus dedos, língua, seios, bunda, sua porta escancarada, seu fragor despetalado.

Por isso e tudo isso, Maria, voltei.

Por seus doces e temperos. Por seus dengos, vendavais.Sua faca na cozinha, o seu cofre de porquinho, seu diário, seus bordados. Por um nada e por um tudo,eu voltei.

Nas pegadas dos meus passos. No traçado dessa dor que fez estrada em minha vida na estrada de nós dois, eu voltei.

E encontro seu silêncio, seu olhar perdido longe, seu cabelo já tão branco, suas mãos pousadas frágeis no seu colo, abandonadas.

Suas pálpebras cerradas, essa dor no seu sorriso, esse terço em sua mão, essa flor em seu caixão, essa vida posta fora.

Porta a fora a minha vida. Vida a dentro a sua morte. E pra sempre o nunca mais.

 
 

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