MEMÓRIA FRACA
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O escritor Pedro Nava, mineiro, grande amigo de Drummond e dos Sabadoleis, teve um destino que se pode evitar: se suicidou com um tiro. Uma fatalidade, disseram os admiradores. Memorialista fantástico tinha um vasto arquivo para trazer a tona suas memórias saborosas e, que para muitos, talvez pudessem ser desagradáveis. Eram pequenos papéis onde fazia suas anotações guardadas numa caixa de sapato. Um arquivo infalível. Eu infelizmente tenho só a mente, nunca pensei que fosse escrever sobre essa parte da minha vida. Sempre gostei de ler, de escrever, estava sempre com um papel e caneta rabiscando alguma coisa. Se não estava rabiscando, estava copiando biografia de gente famosa. Gostava mais de ler, creio que se tivesse um pouco mais de sensibilidade, estivesse afinado com o meu tempo de infância e adolescência, talvez hoje seria, quem sabe, não um grande, mas um escritor? Como não tive essa preocupação, não sou nem grande e nem um escritor, apenas um rabiscador de palavras. Portanto, meu arquivo se compõe de blocos, pequenos blocos cujos pensamentos são em cenas e não em palavras. Penso cinematograficamente. Posso descrever um detalhe, porém me foge o essencial, o clima, as minúcias que faz com que um texto fique saboroso. Por exemplo, o primeiro dia de exercício que tive após o meu alistamento no 17º Regimento de Cavalaria de Pirassununga, são efêmeras cenas sem que eu tenha precisão quando e o que eu sentia naquele momento. São coisas que ficaram nas brumas do tempo, perdido num recanto da memória, na dobra do esquecimento. Lembro que sentados no chão, em frente ao esquadrão, ouvíamos o Tenente explanando o que iríamos enfrentar a partir daquele dia em diante. Explicando o que seriam os exercícios, o cuidado que teríamos que ter com os cavalos, que deveríamos amar mais o mosquetão do que a própria mulher, pois ele é que nos defenderia de algum perigo. E realmente, tínhamos mais contato com o mosquetão do que de qualquer outra coisa. De repente, do Esquadrão de Infantaria saiu um rapaz correndo e, ao passar por nós, gritou: - Aí seus merdas. Estou livre. Vocês vão é comer capim. O Tenente se virou e com sua voz forte retrucou: - Isso mesmo seu merda. Aqui é lugar de homem, de macho e não de viado. Essa é a cena que me lembro do meu primeiro dia no quartel. |