CONSELHO MÉDICO
José Luís Nóbrega
 
 

- Qual o seu problema? – pergunta o médico sem se levantar da cadeira, mal dirigindo o olhar para o paciente que acabara de sentar-se à sua frente.

- Sabe o que é, doutor, eu ando muito cansado. Já acordo cansado. Vou dormir cansado. Tenho trabalhado muito. Não faço exercícios. Falta de tempo, sabe como é, né, doutor? Sinto palpitações durante o dia. À noite, rolo na cama, não consigo dormir. Tenho falta de ar. Meu estômago queima...

Antes que a lamúria terminasse, o médico levanta-se, retira o estetoscópio do pescoço, aperta-o no peito do paciente e vai logo dizendo:

- Respire fundo, meu filho! IIIssoooo...! Mais uma vez! Ótimo, muito bom! Agora, abra a boca e diga: ããh! – um palito igual ao de picolés é introduzido, sem cerimônias, na garganta do passivo paciente, que tem náuseas ao sentir aquela haste de madeira a pressionar-lhe a língua, enquanto solta um sonoro: âãh...

O paciente pigarreia tentando limpar a garganta, os olhos se enchem de lágrimas. Sem se importar com a dificuldade que o coitado tem para engolir, o médico coloca no braço do padecente uma bombinha, juntamente com o estetoscópio frio. Parecendo haver encontrado algo de errado, o médico repete a operação. Infla mais uma vez o aparelho de medir a pressão e repete baixinho:

- Vinte por doze... Vinte por doze...

Em seguida, retira de uma caixinha prata uma espécie de alicate, e vai enfiando no nariz do paciente, que sente a narina sendo arreganhada pelo médico.

- Você já bateu esse narigão em algum lugar, meu filho? - indaga o médico quase enfiando os olhos naquela narina escancarada ali na sua frente.

O paciente não entende a pergunta, já que a dor no nariz não o deixa pensar direito. Aqueles míseros segundos com aquele alicate enorme cravado na narina parecem uma eternidade.

Volta-se o médico a sentar-se, recolocando o alicate novamente na caixinha prateada. Sem dizer nada, começa a escrever um receituário, sob o olhar do já impaciente sentado à sua frente, ainda com fortes dores nas ventas.

Passa então o paciente a analisar o médico. Cabelos ralos e brancos. Barba por fazer. Olhos no fundo, talvez por ter passado a noite sem dormir. Uma grande papada sob o queixo, indícios de falta de atividade física. Face ruborizada, forte sinal de pressão alta, ou fortes indícios de quem toma umas e outras. Mãos trêmulas e, para confirmar as suspeitas, após terminar de prescrever a receita, uma respirada profunda deixa no ar o cheiro de quem havia bebido mesmo umas e outras, dizendo o doutor em seguida:

- Aqui está, meu filho. – virando a receita em direção ao paciente, que pôde sentir mais uma vez o bafo de quem, com certeza, havia bebido a noite toda, e que agora, iria receitar aquilo que com certeza, nunca havia tomado.

- Você está com a pressão meio alta. Tome um Atenolol 100 miligramas logo pela manhã. Para esse desvio de septo aí do nariz só mesmo uma operação, mas... três gotas de Sorine antes de dormir ajudam a aliviar. Pra queimação no estômago, um Omeprazol, logo pela manhã, durante sete dias. Agora, pra dormir, meu filho, um Diazepan. É tiro e queda, mas, por favor, não misture com a bebida, hein! – dá uma risada, soltando ainda mais o bafo de quem bebeu tudo na noite anterior, com Diazepan ou sem ele, e completa: - Ah, e não se esqueça de fazer exercícios! Exercício é a chave da longevidade, meu filho! - solta a derradeira gargalhada, transformando os indícios em prova cabal do consumo excessivo de álcool na noite anterior.

Levanta-se com dificuldades, vai até a porta despedir-se de mais um paciente que havia chegado impaciente, mas que agora parece mais calmo, ou melhor, parece um pouco mais preocupado quando de sua chegada. O doente (agora já pode ser considerado um, após tantos diagnósticos), dá uma olhada naquela enorme barriga vestida de branco que se avoluma à sua frente, e pensa, enquanto passa o polegar sobre a narina ainda dolorida: “Será que esse cara fez um dia sequer de exercício na vida? Será? Bom, mas também nunca fiquei sabendo de um médico ter morrido do coração. Como eles conseguem? Como eles conseguem?”

Pensativo ele caminha pelo corredor da clínica, olhar perdido no chão... e o polegar... massageando a narina... que ainda dói...

 
 

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