O LOUCO
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Pec, pec, pec, pec, pec.... Duas da manhã sou acordada pelo barulho de "pec, pec..." vindo do pátio do conjunto de apartamentos. Viro de lado e tento dormir novamente. Pec, pec, pec, pec... De novo! Abro a janela e espio: duas mulheres andando de salto em direção à portaria do condomínio. Param ao lado de uma viatura policial que chegou sem barulho, mas com luzes piscantes. Burburinho, falatório, a viatura se retira e o pec, pec recomeça agora em direção ao Bloco D. Cinco minutos depois o pec, pec novamente, do Bloco D em direção à portaria, agora ao encontro de uma ambulância tão silenciosa quanto a viatura policial e também piscante em suas luzes rotatórias. Burburinho, falatório, a ambulância se retira e o pec, pec recomeça novamente em direção ao Bloco D. Poxa! Agora já são quase 3 da manhã, e quero dormir! - Sr. Antônio, o que é que está havendo? Quero dormir e esse pec, pec de salto alto não pára hoje? - Dona, é que estão tentando internar um louco do apartamento 54 do Bloco D. A irmã e a esposa chamaram a ambulância, mas eles só podem levar se a polícia estiver presente pra fazer uma ocorrência de que é caso urgente. Acontece que não conseguem chegar aqui ao mesmo tempo. - É. Isso eu percebi. Mas o cara maluqueceu mesmo? De pau e pedra? O que houve? - Ele queria era se matar, dona. Aí elas chamaram o hospital e informaram que tinha que vim a polícia. Então elas chamaram a polícia e voltaram a ligar pro Hospital. A rádio patrulha chegou e a ambulância se atrasou. A polícia foi atender outra ocorrência, urgente, que chamaram pelo rádio. Nisso veio a ambulância. Não pode esperar a polícia, pois também recebeu um chamado urgente pelo rádio. Agora só torcendo, né, dona? Pra ver se eles chegam ao mesmo tempo agora. - Tá bom, sr. Antônio. Desculpe incomodar, mas é que não consigo dormir com esse pec, pec e esse falatório aí em baixo. - A senhora não foi a única a reclamar não, dona. Um monte de gente tá reclamando. Acho que vou pedir é pras donas lá do louco trocarem de sapato! - Boa noite, seu Antônio. - Boa noite, dona. Quinze minutos mais tarde. Pec, pec, pec, pec.... Uóooooooooooooooooooo......... Agora a polícia chegou fazendo escândalo. Piscou todas as luzes que tinha direito e o policial saiu já falando alto: - Como é que é? Cadê a ambulância? Não temos a noite toda não! Burburinho, fala-fala e lá se vai novamente a viatura saindo do prédio. Pec, pec, pec... Novamente em direção ao Bloco D. Será que agora elas desistem? Ou trocam de sapato, pelo menos? Pec, pec, pec... Uóoooooooooooooooo........... A
ambulância entrou à toda, freando bruscamente, piscando luzes,
os enfermeiros saíram falando alto: Burburinho. Fala-fala. Uóoooooooooooooo..............E novamente vai se embora a ambulância. Pec, pec, pec... Mais uma vez as donas de altos saltos perturbam meu sono, encaminhando-se ao apartamento 54 do Bloco D, onde um louco qualquer, à beira de um ataque suicida, aguarda por auxílio médico ou policial - à essa altura, quem é que sabe? Quem é mais louco que quem? As duas ou o suicida? Ou o cunhado que está segurando a barra, ouvindo as lamúrias do maluco? Será que a mulher é que é louca e endoidou o pobre? Cinco minutos depois a maior gritaria. Um carro sai em alta velocidade do condomínio. Pec, pec, pec, correndo as duas atrás. Outro carro segue o primeiro. Pec, pec, pec...voltam ao apartamento. Apagam a luz. Toca o interfone. - Dona, agora a senhora já pode dormir em paz. - Que bom, sr. Antônio. Mas me diga uma coisa: como terminou essa história? - O louco se encheu, pegou o carro e foi se internar sozinho. |