O ENFORCADO
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Meninos nus mergulhavam no rio, enquanto as lavadeiras, com suas saias amarradas entre as pernas, repetiam as mesmas canções de séculos passados e, naquele instante, não percebiam o cheiro que o vento trazia . Então, a mais sensível entre elas, interrompeu a cantiga e a lavação e disse: "- Há um cheiro de perfume no ar". Todas fizeram silêncio e concordaram balançando a cabeça e dizendo em coro: "- Tem sim!" "- E deve ser de morte, pois o odor é de rosas" - disse a mais velha delas. E temendo que o fenômeno propagasse em suas mentes, chamaram seus homens para que elucidassem o enigma do cheiro, o que, para eles não passaria de uma simples averiguação de suas alucinações. Em número de sete, armados de facões, sobre pernas decisivas, entraram pela mata e no esplendor da tarde, aos olhos dos homens de fé daquele lugar, diante da imagem dependurada na corda, balançando , com uma sombra no fundo duas vezes maior do que o corpo, prostraram de joelhos. Era um enforcado. Fizeram o sinal da cruz e chamaram as pessoas daquela aldeia. Levaram os anciões em fila para que tocassem no morto e um deles, o mais frágil, disse: "- Não se encostem ao corpo! Ele quis enganar a paixão. Deve ter morrido por um grande amor, porque somente na morte é que se compreende um grande amor." ao que o outro respondeu , com voz rouca e fraca, franzindo a testa e passando as mãos entre os cabelos brancos: "- Não é isto! Ele não levou um coice da mula do amor. Simplesmente a vida estava de tocaia e ele caiu na armadilha. Deve ter sido assaltado." A mulher gorda que amamentava uma criança no colo, com a outra segurando a barra da sua saia, respondeu: "- Olhem suas botas que o chão rejeita! Observem suas roupas, o anel na mão esquerda, seus longos cabelos aparados na ponta, seu físico de grande guerreiro... só pode ter sido alguém que morreu por uma grande causa", o que foi motivo de alguém mais distante do local completar: "- Pela nossa liberdade!" e todos aplaudiram dizendo "Foi sim". Uma criança tímida, com o polegar na boca, acompanhada de um cão, quis tocar o cadáver, mas impediram para não profanar o santo dependurado na corda. O cão latiu e o vento balançou o morto, fazendo com que as pessoas se afastassem para não tocar no corpo. A mais beata das lavadeiras desfez o nó da saia, fechou a mão, persignou-se com o polegar, aproximou-se e, logo após, beijou suas botas. Retiram-no da forca e deitaram-no sobre o solo. Perceberam, assim, que era um homem alto, com catadura da serenidade da paz, olhos verdes que avistaram guerras santas nas quais defendeu fracos e inocentes. Levaram o corpo, choraram pela sua morte e o sepultaram no chão da capela. Meses depois os espanhóis chegaram à aldeia procurando o corpo de um homem que havia sido executado na floresta: era um bandido tão tenebroso que resolveram executá-lo ali mesmo temendo que a própria sorte desviasse o curso da sua execução no cadafalso. |