TUDO CULPA DA FILOSOFIA
Leonardo de Moraes
 
 

"Quando estamos longe dos lábios que amamos,
só nos resta amar os lábios que estão por perto"
Thomas Moore (1478-1535) filósofo inglês.

E foi depois de ler esta frase no livreto de auto-ajuda, e muito pensar sobre a sabedoria dos filósofos ingleses, que Zé saiu de casa. Estava muito irritado porque sua esposa iria passar mais uma noite em Sorocaba. Ela havia ido cuidar da tia-avó doente, e de certa forma compensar todos os bens que a rica velhota estava para lhe deixar. Acontece que Zé estava solitário, e havia tido um mau dia no trabalho, e não estava com paciência de entender os motivos da esposa... A bem da verdade, naquele momento se abateu sobre ele a carência masculina típica, que exige atenção redobrada e tratamento digno de rei... e que justifica a cervejinha de desaforo.

Então, com o pretenso descaso da esposa eximindo toda culpa, Zé pôs-se a andar pela rua em direção à Avenida São João, e no famoso bar da esquina daria ritmo de samba à sua volúpia por liberdade.

Cinco chopes, uma porção inteira de pastel com pimentinha. Relaxado que estava, jogou olhares sobre a tiazinha da mesa ao lado. Loira madura, ancas aquadradadas e apertadas num largo cinto de couro vermelho, dançava sem sair do lugar num samba miúdo, mais para ponto de macumba.

"Vossa graça me parece ser muito feliz, além de muito jeitosa" - disse com meio sorriso e olhos de lobo velho.

"Sabe que sempre fui assim... não é mesmo Cidoca?" - respondeu pedindo auxílio à amiga mulata pintosa, de vestido verde bandeira e apliques de canecalon, que se limitou a olhar e fazer "Unhfff...".

"Tô assim querendo é muito sambar com mulher feito você" - investiu uma segunda vez, já com a aliança colocada discretamente no bolso da calça social.

"Eu sou mulher de tranco forte, bonitão... meu samba é do crioulo doido, rararara..." - e gargalhou como se tivesse feito a piada do ano... e logo entornou a caneca que Zé tinha nas mãos, já demonstrando como passaria o resto da noite.

"De tranco eu entendo" - e Zé deu um puxo forte e enlaçou a silhueta da madona sambista.

Veio um beijo, veio outro e mais outro. E numa mesa ao lado, um garoto de seus vinte anos pensou um pensamento quase audível - depois dos cinqüenta as pessoas deviam ser proibidas de beijar de língua.

Zé e Dirlecy subiram no apartamento dele, mas só depois da ajuda do porteiro pra abrir a pantográfica do elevador. Depois Zé jurou que falaria com ele, funcionário do prédio há anos, e muito fiel a uma boa caixinha de silêncio.

Ele tinha que dar um tranco forte na gatona... mas por conta da gastrite reativada pelos pastéis e pimenta, começou a se perguntar porque cargas d'água o bicho homem, mesmo desdentado e com o saco caído, insiste na propaganda enganosa.

Afastou um pouco a loira do atraca-atraca no sofá da sala e foi até a cozinha pegar um pouco de bicarbonato de sódio. Enquanto isso, Dirlecy já estava deitada no tapete felpudo, muito a vontade sem sutiã e com os seios tão espalhados, que pareciam brigados entre si.

Após o efeito do sal, que provocou vários eructos silenciosos, Zé se jogou sobre as carnes brancas da loira sambista. Voltaram a se beijar com desejo e voracidade, como dois adolescentes descobrindo o amor.

E foram para o quarto e lá estavam os dois... nus, macho e fêmea, corpos caídos, cansados, esteticamente desfavorecidos, mas pulsantes de desejo.

E foi nessa hora, quando Zé conseguiu a tão esperada ereção natural, que o trinco da porta da sala fez um rangido fino e raspado de chave.

"Zé Carlos, meu amor, sou eu... a titia ficou tão mal, tão mal que achamos melhor transferí-la de helicóptero aqui pra Santa Casa...".

Antes do infarto, José Carlos Santana só teve tempo de pensar... malditos sejam os filósofos ingleses.

 
 

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