AZUL DESBOTADO
José Luís Nóbrega
 
 

Foi assim, digamos... amor à primeira vista. Ele passou, a viu, parou em frente dela, sem titubeio. Não havia nada mais belo no mundo. Anos depois ele ainda se lembraria com detalhes daquele primeiro encontro.

Ele já possuía outras, mas ela era diferente, especial. Gostava de senti-la sobre a pele. Ela era leve, levíssima, e vez ou outra ele a acariciava com as pontas dos dedos no momento de se separarem, só para sentir sua maciez. No banho, pelo vidro do boxe, ficava ele a admirá-la. Que cor, que beleza!

Durante o dia ele adorava desfilar com ela. Ele até aparentava ser mais jovem com a danadinha. Todos pareciam olhar para ele, que só para fazer charme, costumava dobrá-la onde quer que estivesse, mesmo contra a vontade dela, que talvez por ciúmes, fazia-se de engomadinha, sem vontade de deixar os braços longos e brancos dele à mostra.

Ele a amassava no sofá, sem que a mulher visse, é claro. Amassos no sofá já seriam demais. A mulher não aprovaria a cena. No carro, á noite, ou até mesmo durante o dia, ele a amassava. Nada muito violento, ou coisa que pudesse fazer mal à pobre. No verão, ele transpirava muito antes, durante e depois dos amassos. Mas depois de descolá-la do corpo, ainda suado, ele a esticava na cama, deixando assim que ela se secasse naturalmente.

Em reuniões ela fazia o maior sucesso. Todos o parabenizavam pela escolha. Em jantares causava furor entre as mulheres, que de maneira discreta também adoravam se esfregar nela. Em casa, até a empregada morria de raiva daquela formosura, que deveria tomar sol apenas das 8h00 às 10h00, ou das 16h00 às 18h00. Tudo controlado e sob as ordens do patrão. Ele morria de medo que os raios do Sol pudessem afetar aquela beleza, aquele brilho raro, tão belo de se ver.

Mas mesmo com tanto cuidado, com tanta dedicação, um belo dia ele chegou em casa e não a encontrou. Procurou-a no guarda-roupa, onde seria o lugar mais provável de encontrá-la, mas lá ela não estava. No banheiro e na lavanderia, também não. Teria ela partido? Desolado, ele descansou no sofá, onde um dia, ele a amassara. No dia seguinte, morrendo de saudade, teve a certeza de que não mais se encontraria com ela. Ninguém o elogiaria. Ninguém diria que ele estava aparentando dez anos mais jovem por estar com ela. Seus pensamentos saudosos foram então interrompidos pela fala da mulher. Dizia ela à empregada ter dado fim ao amor platônico do marido. Já não agüentava mais vê-la desfilando com ele por aí. Ela já estava muito velha - deixando-o mais velho ainda. Aturdido, ele ouve a esposa dizer que sua camisa, aquela comprada anos atrás, visão única dentre todas as peças da vitrine, estava velha, velha de mais. Seu azul já estava assim um azul... um tanto quanto desbotado...

 
 

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