E O VENTO (me) LEVOU
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Quando criança, eu temia se ventava forte. Tinha sempre a sensação de que o vento traria tempestade, aquela que eu tanto rezava para que não acontecesse, pois com ela eu ouvia falar que acabaria o mundo! Fico impressionada quando começo a me recordar de alguns acontecimentos, sonhos e pensamentos da minha infância e os ligo a fatos vividos no fim da minha vida (ou será ainda o começo?). É incrível a possibilidade de se traçar paralelos, encontrar respostas, ampliar dúvidas, questionar e compreender que a gente passa desde a infância, inconscientemente, temendo por situações que talvez o nosso coração já conheça o desenlace e, por isso, nos propõe o medo, a ansiedade, a esperança e até a fuga. A adolescência me ensinou que o vento não era apenas u'a ameaça ao fim do mundo. Descobri sua importância para movimentar moinhos, sua influência para as rotas marítimas e aéreas, o respeito que impõe aos pescadores. Não pude deixar de me dar conta de que ele constituía o frescor dos dias quentes, o tempero do clima, o transporte das partículas que necessitam migrar para que a natureza possa agir. Vi a beleza de cabelos soltos ao vento, senti-me beijada no corpo e no rosto a cada toque suave de uma suave brisa. Vi penas e papéis dançando no ar, folhas sendo carregadas, sementes e polens sendo espalhados, crianças correndo para senti-lo açoitando-as, ora carinhosamente, ora com fúria. Ouvi seu uivo em madrugadas silenciosas. Algumas vezes me dava a sensação de que ele mesmo sentia medo da escuridão da noite, outras, parecia que seu grito visava afastar os atrevidos que se colocassem no seu caminho. Porém, muitas vezes, ouvi no seu silvo a melodia dos anjos, a certeza de não estar sozinha, a serenata do amor, o convite à saudade, o afago no rosto, nos cabelos, no corpo, insistindo em me fazer crer que ele sempre esteve por perto, prestando atenção em mim, dedicando-me seu carinho e sua presença. E foi assim que o VENTO derrubou barreiras que sempre me impus. Ensinou-me que não existem ameaças e nem deve existir o medo quando o amor existe. E, para que eu aprendesse bem a lição, ele me ensinou a amar. E, talvez no exercício da sua função de transportador de partículas que necessitam migrar, ele depositou no meu coração as mais perfumadas e delicadas sementes de todos os sentimentos mais puros, ensinando-me, pacientemente, a cultivá-los, transformando-os em raízes e troncos auto-sustentáveis, possuidores de uma força inabalável que não conhece distância, tempo ou silêncio. E o VENTO sorriu feliz ao me ver amando verdadeiramente e pude senti-lo vaidoso, também amando e feliz. Entretanto, creio que ele não conseguiu acreditar na sua capacidade de plantar tudo que tinha plantado dentro de mim e, tampouco, não conseguiu crer que eu tinha transformado o meu coração no mais belo e florido dos jardins, onde cada sentimento fantástico que ele me ensinara, transformara-se numa flor única, ímpar, de cor e perfume inigualável. Por instantes, o VENTO se esqueceu da sua real importância na minha vida, não percebeu que se tornara a razão do meu viver e olvidou que sem VENTO, as flores nascidas das sementes por ele plantadas não mais conseguiriam sobreviver, se expostas apenas às tempestades, ao sol, às noites frias e secas, ao silêncio se ele deixasse de emitir o seu uivo melodioso que calava na minha alma como sinfonia de pardais anunciando o alvorecer. E seu esquecimento fez com que as minhas lágrimas se transformassem em orvalho, umedecendo constantemente as flores tristes que, com seu abandono, lutavam pela sobrevivência naquele jardim celestial e colorido implantado no meu peito. Também não sabia o VENTO que, tal como a chuva ou o sol, que mesmo isoladamente levam alimento à flora, o meu pranto regava os meus canteiros, alimentando o meu amor e todos os sentimentos que dele nasceram, fortificando-os, embora não conseguindo mais me fazer sorrir ou me sentir feliz como antes, porque sem ele, tão necessário ao meu viver, eu passei a me sentir perdida, deslocada, imperfeita, pois parecia que ele havia levado uma parte de mim. E levou! Ao deixar-me sem respirar e sentir a brisa que ele me entregava com tanto amor e ternura, levou um pedaço de mim. Levou quase tudo que me fazia me sentir viva, cheia de energia, de alegria, de força para lutar contra todos os obstáculos, em busca do caminho da felicidade. Por que não me levou por inteiro? Era isso que deveria ter feito se a sua intenção era de não ficar comigo para sempre! Só uma dessas duas alternativas seria suficiente para me manter a mulher mais feliz do mundo tal como eu me sentia quando ele soprava na minha pele, me contando que eu vivia! Seria necessário, apenas, que ele permanecesse ao meu lado para o resto da minha vida, ou, na insistência em partir, que me levasse todinha junto com ele! Mas ele se foi e fez tudo errado! Esqueceu que não poderia me deixar. E, pior que isso! Ele foi e deixou aqui somente o meu corpo, as minhas lágrimas, a minha tristeza, o meu inconformismo, a minha dor, o desespero, a angústia, a saudade, a esperança. E levou .... E o VENTO levou ... a minha vida, os meus sonhos, a minha alegria, a minha paz, os meus pensamentos, o meu coração, a minha alma, o meu amor! Passei a infância sentindo medo ao ventar fortemente. E hoje eu sei que o VENTO mudou a minha vida, porque chegou com força. E trouxe, primeiramente, a brisa, a paz, a ternura, o amor. Mas não deixou de me fazer sentir a tempestade e o fim do mundo... |